sábado, 25 de junho de 2022

remanescente

sempre algo por dizer

quanto mais confusa a fala

fica a esperança de que talvez

esteja o afeto sendo entregue por outras vias

quarta-feira, 18 de maio de 2022

algo, não tudo (ou a liberdade do suficiente)

 - Estou farta do peito de leite finito, ela continua

Farta do colo que enfim aquece o frio outrora posto

Do carinho que afaga a saudade

do instante do alívio que precede um novo período de angústia

de fome e de frio


Da mesma forma se vê cansada de acreditar que esse peito deveria jorrar fonte láctea infinita

Humanamente, o leite foi suficientemente produzido para uma mamada

(afinal, o bebê não sabe pedir para parar, o peito faz isso por ele)

Um peito suficientemente bom

para um bebê suficientemente satisfeito


Na sua história percebe que, angustiada pela angústia,

mordia e ainda morde qualquer peito que quisesse alimenta-la 

(afastando-os em brasas, queimados para que não atrapalhem sua fantasia de paraíso)

ao mesmo tempo que suga todo o leite, e mais um pouco, não satisfeita com o satisfatório

até que fica cheia, bem cheia

mas no desejo de ficar bem cheia, vomita

e fica vazia, bem vazia


- Já pensou em trocar esse modelo por outro em que

não se pode dar todo o leite a alguém, mas se pode dar algo

assim como não se pode receber tudo de alguém, mas se pode receber algo

Talvez você se veja mais livre, continua a outra voz

Nunca vi que Cristo, Maomé, Buda ou quem quer que seja

dizendo que precisamos destruir o outro parar sermos felizes e livres

(Você confundiu o Paraíso com o Inferno)


terça-feira, 17 de maio de 2022

A luz é filha da noite (ou as grandes forças são femininas)

Don't you know, you fool

you never can win, ele canta


- Estou farta de  insights, ela diz

e de epifanias

e de clarão momentaneamente aceso

para imediatamente se esvair

restando somente aquela sensação escura somada a de que logo agora pouco se pôde enxergar tudo


Viento, que viene de la montaña, ela canta

em dias que essa claridade vem rasgante, feito raio que ruge

A Luz vai ganhando um ar de temor ao de amor

engraçado, assim como lhe diziam seus pais

mas foi necessário que seus olhos testemunhassem, ofuscados, a essa vertigem enlouquecedora

(experimente olhar nos olhos das estrelas em noite de Lua nova, entenderá sobre essa vertigem)


Acontece que quando tenta amarrar suas idéias clareadas em salvas

se engana

para si mesma

sem saber como e nem por quê, mas sabe quando

É quando, ao invés de pausas,

preenche o silêncio

o satura

o esgota

com falas que eclipsam sua chegada mais perto (demais) daquele seu

infamiliar (o claro e o escuro)


No exato instante de Luz

é arrebatada de saudades de toda vez que ela esteve aqui

e ainda mais saudades desta, de agora, que rapidamente se apagará

É cíclico seu destino

(assim como o é nossa esperança de crísticos retornos - promessas eternas depositadas à prazo)

A Luz chega fálica, príncipe da salvação, chega como há de ser: irradiante

e como há de ser, ofuscante

rasga a demorada escuridão com um espetacular e soberbo vislumbre


Enquanto isso boceja, já cansada desse showzinho,

a Escuridão

que ali tudo habita, habita no sempre e no tudo

sabendo que essa filha vez por outra aparecerá ali

veloz

fugaz

sopro divino

alimentando, onde toca na Terra,

uma fogueirinha

Penumbra de Fé

singela

meio magrela e também meio firme

bem ela


Termina com eles cantando, you have proved to be a real human being, and a real hero

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Cinho (o quadro de Pin)

Lá no campo há um belo rio
águas tão lisas quanto lençóis de cama de hotel
jamais se poderia predizer a força de sua correnteza

Quem está à sua margem se encanta com troncos que navegam
com flores que escorrem sem oferecer resistência alguma ao destino 
e até com uma espécie de animal muito diferente que tem
um casco que parece um casulo
um rabo que parece de cobra
uma textura que parece de molusco
uma boca que morde como tartaruga
e com asas de borboleta

Esse estranho animal também é levado pelas águas
Em águas calmas, casco para cima, ele nada lindamente em nado borboleta
se delicia com a liberdade
respira muito bem dentro e fora da água

Eis que venta forte, fecha o tempo, nuvens carregadas rapidamente inundam o volume do rio
com águas lamacentas e turvas
Alvoroçado, reflete sua força arremessando com velocidade a tudo 
aos troncos
às flores
ao pobre animalzinho
Somente as pedras ficam firmes
os demais ora batem nas pedras, ora se debatem

Intuitiva e instintivamente
o animalzinho, chamamo-lo de Cinho, se vira em seu eixo
abandona o nado borboleta
transforma seu casco em barco
e vai

Vai meio anestesiado
vai com medo
vai de ponta cabeça
vai com as patinhas viradas para o casco, não podendo segurar nenhuma corda que lhe jogassem
Corajosamente, confia

Um fio de consciência se mantem ali
e desperta somente em bifurcações do rio
Rapidamente escolhe por qual direção seguirá
tem um breve vislumbre do que é estar vivo, mas retoma a jornada acelerada da correnteza
Cinho, apesar de quase adormecido, tem muito medo
tem pesadelos
às vezes sente que já morreu
ou que queria morrer
Bate nas pedras, bate no casco de outros Cinhos
se bate

E assim o rio, chamado Tempo, carrega Cinho
A distância que Cinho alcança com toda essa turbulência é imensurável
infinitamente maior do que a que alcançaria caso nadasse seu lindo nado borboleta
Tempo, o rio, uma hora encontra o fim de um ciclo
Mergulha aos poucos na terra formando invisíveis lençóis freáticos 
fazendo as pazes com a margem
e deixando com que o tronco, a flor e Cinho, repousem dessa longa viagem

Cinho acorda aos poucos do seu sono
do pesadelo, talvez diria
Sua cauda ofídica se espreguiça na brisa suave, troca a pele por uma nova que lhe caiba
Seus olhos repousam sobre um céu azul, limpo de nuvens
Suas asas amarrotadas fazem um iniciante movimento de recomeço
Então, com suas patinhas, faz um suave balanço para se virar para baixo

As águas, agora delicadas como seda, acariciam todo seu corpo
Cinho se lembra dessa sensação, se lembra de estar vivo e de já ter vivido antes
Encorajado, renascido, se espreguiça bem gostoso
Suas asas fazem um gentil movimento de retirar o casco 
Agora o casco repousa na margem do Tempo
e Cinho se vê pronto para um novo passeio em terras firmes
Cinho quer agarrar bons laços com suas patinhas, Cinho é ótimo nisso

Assim Cinho seguiu
livre
risonho
leve
esperançoso
reminiscente de suas vidas prévias
se vê forte, se vê novo
tem sede de vida
e de compartilhar sua existência com todos que ali sentiam sua falta e com outros que terão o prazer de conhece-lo

- Importante, Cinho, que seu casco fique muito bem guardado. Logo logo, sem sabermos muito bem o porquê, você vai sentir saudades de nadar e até na lamacenta correnteza você vai se ver pronto para navegar. Pois vá, e volte, e vá e volte quantas vezes forem necessárias. Você é bom de nadar, bom de andar, bom de voar e, essencialmente, você é excepcional em viver!
 


quarta-feira, 4 de maio de 2022

acordo várias vezes ao dia

Toca mais alto o som do futebol
do vizinho de cima
Tão raro ouvir som de TV onde moro, não havia notado; noto e agradeço 
Tão boa também a casa limpinha pra eu me deitar no tatame, sorte que é pequena; agradeço e suspiro 

Toca mais alto do que o mantra que coloquei pra tocar
que me ajudaria a respirar e reconectar  
Estava numa respiração tão confortável que não valeria a pena levantar
para aumentar meu som ou para o que quer que seja 
(vou me distraindo em pensamentos, em sentimentos de angústia)

Aí volto, ressono meu corpo ao da música e assim
A música de repente parece mais alta
Afinal, enquanto notava o som do futebol, não notava o mantra
Quando notei o notei, não notei do futebol 

Eis que me percebo uma moléculinha nesse universo
Me recordo: as above, so below
E rio quando me ocorre que eu não falo com minhas moléculas em português
Nem em árabe nem em inglês nem em alemão e nem por poemas nem jornais
Meu corpo, o macrocosmos das minhas moléculas, que se entende com elas
Em língua de matéria 
Língua do ponderável e do imponderável 

Não sou eu quem decido quais micro partes minhas ficam, quais se vão
E quais serão modificadas
Acontece 
Assim 
Milagrosa e divinamente
(Agora que respiro com calma e ouço de mim mesma meu sussurro calmo, percebo minha voz-Deus-bom-interno) 

Acho graça que eu caio várias vezes ao dia na história que contam
para explicar esse simples e milagroso fenômeno
As vidas se entendem em idioma de vida
Não em palavras
Deus não me mede, não me critica, não espera (quase) nada de mim
Me assiste, como eu sendo parte de seu metabolismo 
E eu aconteço em Deus e com Deus 
E a partir de Deus

As above
So below
Digo 'quase' porque espera-se pela harmonia 
Quem espera? A própria harmonia, que entende essa língua 

É bonita a metáfora que contam por aí
Mas é mais linda ainda essa sensação que chega a sair pela minha pele 
Eis que um som agudo sai da transmissão do futebol
E eu, absorta em Deus, na Vida, nas moléculinhas e na minha respiração
Estremeci 
Acordei de novo

São vários os despertares 

domingo, 1 de maio de 2022

morrer é estar acompanhado ou definhar na temida solidão da vida?

qual vazio deixa a casa que queima sua última brasa?

(devaneios:)


Sinto que seria culpada pela forma que morri

ficariam eles bravos do como fui me meter nessa

"eu sempre avisei", diriam eles, eternamente

até que chegassem suas vezes

e talvez até assim, do lado de lá, seguiriam com a soberba indignação


Aliás, o que é esse tal lado de lá?

Parte I: Acabou pra você, mocinha

Perceberei ter partido uma vez iniciada minha retirada desse mundo que 

malemal conheço?

Serei acudida por algum outro alguém da mesma matéria que a minha?

Ou será que está correta a previsão de que ficarei deitada na posição que fui enterrada

assistindo do teto do fundo do chão à minha vida

em play e replays eternos

cada gafe, cada birra, cada grito

cada beijo, cada gole, cada mexida de mãos sobre os cabelos

cada onda do Rio Tapajós, também, espero

Até que a terra, essa linda Terra, vai estremecer e nos parir novamente de dentro de seu ventre

renasceremos em carne e osso uma última vez, seremos julgados por aquilo que

fizemos, assistimos, reassistimos: uma única chance foi dada, uma única opção foi escolhida

- acabou pra você, Mocinha, dirá Deus através de alguém que talvez fale minha língua

agora é só céu

agora é só inferno

pra sempre, e sempre e sempre e depois mais pra sempre, sempre, sempre mesmo

seus amados foram eternamente para outro recinto que não o seu? lamento, é pra sempre

percebe hoje algo que te faria agir diferente, lamento mesmo

É Clemente, Misericordioso, Misericordiador até o dia do Juízo Final

E depois desse dia? 

Acabou pra mim

e para todos nós, que em maior ou menor grau, pecamos


Parte II: Vai trabalhando enquanto isso, minha filha

Ou será que posso confiar na alternativa, que infelizmente não tem o peso de registro infantil que tem a primeira opção,

que diz que serei acolhida e acompanhada até lentamente despertar parra uma forma de vida sutil

talvez um umbral, não sei, com dificuldade de enxergar padrões vibracionais mais altos, 

porém com a generosa chance de despertar internamente e rogar ajuda aos Superiores (todos eles incluindo Deus) para iluminarem minhas trevas

podendo enfim ser hospitalizada ate me recuperar das cracas imorais

reencontrar meus familiares já desencarnados

relembrar, novamente sublinho, acompanhada, o que me aconteceu encarnada

quais eram os planos, qual o plano da próxima

e não aguardo a decisão divina deitada ociosa: trabalho, sirvo, ocupo tempo exercitando uma vibração mais elevada

me conforta essa fábula mais que a primeira

(talvez more nesse 'conforto' a crítica dos que optam pela primeira: com mais conforto e menos temor, corre-se o risco de se estar mais alienado ao longo dos dias, menos noiado com a hipótese de que o inferno pode acontecer - ainda mais do que um possível inferno já instalado.)


Parte III: fim, finito (ninguém dirá nada)


acabou, acabou

fim, finito

puf, o que é carbono continua sendo carbono

as larvas o realocam em outro fluxo de outra vida

tudo o que aqui foi vivido era e seguirá sendo um (vazio) mistério

nada nem ninguém dirá "meus parabéns"ou "que decepção" sobre a vida outrora acesa, agora, apagada

botão liga e desliga

e quanto à corrente elétrica que eletrizava o corpo agora em putrefação

apenas se foi

pura solidão


Posfácio: quando, como, por que e com quem começa o posfácio?

Importante ressaltar que as poucas opções de resposta até agora descritas não são relevantes quando a grande questão é: eu posso morrer antes mesmo de terminar essa frase

posso morrer jajá, posso morrer daqui cem anos

a questão não é pra onde iremos

mas quando (e como? morrerei de forma estúpida? morrerei heroicamente? saberei no dia da minha morte que morrerei? saberei que morri após tê-lo feito?)

e por que nesse quando

e o que fica de vida interrompida

e do restante de vidas que seguem vivas (estarão bravas com minha partida? se lembrarão de mim? conversarão comigo de forma que eu consiga escutá-las? 

na misteriosa rotina de viver

até que

puf

acabou


quem estará comigo? 

alguém virá?



sábado, 30 de abril de 2022

sexta-feira, 1 de abril de 2022

segunda-feira, 28 de março de 2022

Linha amarela,13:13, horário interno (e de Brasília, também)

Desceria na estação Paulista, tudo normal como sempre. Medular até a baldeação. 

Segundos anteriores me ocorrera a agradável - parecia agradável - lembrança de uma frase marcante, dentre várias, de hoje:  “A morte é o centro da minha vida”.

Abro os olhos e me vejo completamente perdida, espacial e internamente. Eu já não estava dentro do trem: estava do lado de fora da estação errada. Não havia baldeação, não havia retorno, não havia saldo. 

Tentava recalcular a rota mas não sabia nem onde me perdera. Esfrego as mãos na cabeça na tentativa de delimitar meu corpo existente dentro de um complexo mundo óbvio. Havia me perdido nesse lance de vida e morte: si-mul-ta-nea-men-te encarnadas. Ou também, caso eu queira me alienar de mim mesma, na estação Oscar Freire. 

Afinal, não foi agradável assim: no ato, adiantei a morte para uma estação antes. Ela é tão intolerável que às vezes só queremos que ela chegue logo e acabe com essa paúra. 

13:38 agora, aterrizo na estação Ana Rosa, em mim também.

domingo, 27 de março de 2022

intimidade

Parte I 


Somente pelos corpos colados se intimam 

Se engraçam 

se invadem 

Se perdem 

se evadem 

Se contorcem 

se misturam 

Se penetram 

se molham

Se aterram

Se incendeiam 

Se encontram 

se são


Somente ali 

se verdadeiramente são

A si, cada um 

também a ambos 


Vislumbra-se a perdição da tentação da tão união da paixão 


Parte II 

 

Infelizmente, somente ali 


Tanta falta de intimidade 

sequer é possível se invadir 

no corpo não tocado pela pele

a intimidade evapora

sábado, 26 de março de 2022

coça

nem pernilongo

nem formiga 

nem muriçoca

ou mesmo borrachudo

coça mesmo feito picada de mutuca


- demora muito?

- demora fundo

domingo, 20 de março de 2022

dá o play, macaco

Revivo nossas memórias no repeat 

tentando enjoa-las 

Como música que é incrível, como você diz, “muito intensa no começo

mas de tanto tocar 

evolui de música favorita para música insignificante ou até repulsiva 


Mas essa história que dou play

da que teve e da que não teve 

Parece ser como aquelas músicas 

Clássicas 

Eternas 

Inenjoáveis 


Cada vez que escuto percebo um encanto em algum canto 

e lamento que toda música tem que acabar


- Rhye, Song for you

- Freya Ridings, Lost without you

- Portishead, Glory box

- 5 a seco, Pra você dar o nome 

- Marisa Monte, É doce morrer no mar 



Que é melhor

Do que sofrer de saudade de mim como eu tô de você 

Essa dor eu não quero pra ninguém no mundo 

Imagina só 

Pra você 


terça-feira, 15 de março de 2022

rodas do desatino 14:00 cine belas artes

Quando voltares

se voltares

estarei melhor 


Não por causa de ti

mas também


Enquanto isso a gente vai fingindo que o outro não existe 

esquece do filme, há de ter ficado em cartaz eternamente

esquece, se é que é possível, do nosso toque incendiário


Até que, pouco a pouco, borramos a memória dos nossos rostos

a conversa do whatsapp vai ficando longe, perto de outras pessoas esquecidas

o waze não sugere nossos endereços

o teclado não sugere teu nome, sugere sílaba única, dor


Assim a vida vai imitando a arte 

e há de imitar nossas forma-pensamento-fingimento


Como me sangra a Bruna (enquanto espero que nunca chegue nenhum dia se não aquele primeiro):

Quanto tempo falta pra gente se ver e fingir que não se viu
Quanto tempo falta pra gente se ver e não se reconhecer
Quanto tempo falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu

segunda-feira, 14 de março de 2022

toquei blues bem baixinho e você ouviu

Eu também 

me sentiria presa à culpa do sonho que não se seguiu 

à raiva por quem não deixou sê-lo 

ao amor que sustenta toda essa ilusão 

Ou essa intuição 

Ou mesmo esse destino 


Não sei por que dizes que não 

afinal, falar isso, que já passou

não há de ser real 


"Não queres me magoar", acredito 

quando quero ver teu traço zeloso

 

"Não acessas isso", acredito 

quando penso que você falava sério que terapia te faria um bem 


Não pretendo disputar com seu amor, 

seu sonho, 

e seu sonho de amor 


Respeito o seu 

assim como o meu 


Desejo que ambos de nós 

ou, pelo menos um, 

encontremos aquilo que hoje 

ambos desacreditamos existir


Estamos blues

Eu, blue por ti

Você, por ela 

domingo, 13 de março de 2022

talvez se, não sei quando

a mancha de cerveja derramada na varanda: está pegajosa demais, atraiu formigas

a garrafa de coca no carro, da praia: só não andei dirigindo, então não a vejo

a mecha de cabelo gentilmente acariciada: lavei

a fronha do travesseiro: faxina hoje

as mensagens que chegam nos sonhos: hoje mudaram completamente, agora aterrorizantes


cheiros de apego parte II 

sábado, 12 de março de 2022

eco do silêncio (que porra de som é esse)

uma poesia por dia

uma prosa imaginária por noite


essa tal presença na ausência

inclusive agora se faz

mais concreta que outrora

te sinto, te ouço


sinto o toque que cafuneza

tão forte quanto escuto tuas respostas

que chegam às vezes a doer como tapas secos


pena que, por vezes, escuto borrado o eco do silêncio

se confunde

"ão, ão, ão"

estarias dizendo "pega minha mão, ão, ão"

ou o que diz é 

"não me procure não, ão, ão"?


sei lá eu, só escuto ão

deito de volta ao mundo dos sonhos onde se pode voar 


"ar, ar, ar"


acabar?

voltar?

dançar?

falar?

ignorar?

sustentar?

ficar?

matar?

tratar?

sonhar?

cozinhar?

piranhar?

sabotar?

fumar?

cuidar?

pirar?

gorfar?

espanar?

bancar?

chorar?

gozar?


que porra de eco "ar" é esse

sexta-feira, 11 de março de 2022

sóis e luas

os laivos do Sol que se vai

entre prédios

atrasam tua terminal presença

(eu insisto)


os laivos do sangue que escorre

de mim

antecipam minha cíclica melancolia

(não controlo)


solar, as vinte e quatro que poderiam ser mil horas

lunar, os vinte e oito que poderiam ser mil dias

(não puderam)


tua presença

poente


minha sentença

descamada


quinta-feira, 10 de março de 2022

café da manhã sem dor

De nós, que não chegamos a ser

sobram nós na garganta 

Coração engasgado 

Ando confusa, bem confusa 


E agora faz como? 

Com a saudade? 

Com a vontade de conversar? 

De dançar ou de rir ou de chorar na sua companhia

Faz como? 


Será que está tudo conjugado no passado, mesmo? 

“Estava, amei, era, foi”

Seu olhar está fotografado aqui dentro, no presente do indicativo

e até no gerúndio

e eu amo essa fotografia


Queria te ouvir mais falar das suas feridas, te beijar e dizer que dói mesmo e que vai passar

e, quando quisesse, estaria ao seu lado, segurando sua mão

Queria você-pacote-completo: 

amores, dores, 

doçuras, amarguras; todos os sabores


Queria viver uma dor e um amor juntos. 

Te mandar uma carta de amor. 

Receber um café da manhã sem dor. 


Queria

e se você alguma hora quiser

quero

quarta-feira, 9 de março de 2022

à árvore da pele

a brisa gostosa do vento

hoje

dói

sobre a pele

do corpo que se percebe corpo

descorporificado à medida que se dissolve na saudade

de quem eu realmente queria

que me tocasse

como brisa gostosa do vento


à flor da pele

à árvore paraense da pele

terça-feira, 8 de março de 2022

e não sei se, nem quando


a mancha de cerveja derramada na varanda: não limpo

a garrafa de coca no carro, da praia: não jogo

a mecha de cabelo gentilmente acariciada: não lavo

a fronha do travesseiro: não troco

as mensagens que chegam nos sonhos: não mudam


cheiros de apego

segunda-feira, 7 de março de 2022

primeira segunda

 - Me parece que você está muito triste hoje. E o jeito que você conhece de lidar com a tristeza é se machucando ainda mais.

domingo, 6 de março de 2022

tão cedo

o chinelo, dessa vez, ficou no capacho

e eu, como de costume, deixei a porta aberta

apesar de uma chave por dentro e uma chave esquecida por fora


você já não esqueceu mais nada aqui em casa

nós já não tínhamos um segundo encontro marcado mesmo antes do primeiro

o último beijo já tinha sido beijado, 

eu só não sabia ainda

(mas sabia de alguma forma)


pode entrar

pode trancar

não, não pode entrar

não pode partir


não tão cedo

não tão tanto


mas não teve como

a porta destrancada foi aberta

o chinelo já estava ali

a chave de dentro seguiu imóvel

enquanto as lágrimas se moviam em busca do mar 


você chegou molhado de água de cima

saímos molhados de água da dentro  

sábado, 5 de março de 2022

maquiagem

Segurar delicadamente o pincel 

que repousa sobre o

quadro do rosto e da alma 

Pintar-se 

Se arter

sexta-feira, 4 de março de 2022

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

carta à mãe

o que aconteceu foi

que temi te amar


temi que, te amando, te destruiria

afinal, uma hora você estava

na outra, partia


achei que a cada partida me dilacerava

talvez fosse uma vingança, um castigo? e já alia nascia

em mim a noção de pecado

(ou assim mais tarde fui nomear algo já familiarizado)


não quis me sentir digna

não quis nunca mais botar pra dentro

algo que vinha tão sincero

tão humano

tão materno


passei e ainda passo anos

em que, sempre respondendo mal a todo tipo de restrição,

compensava, compulsivamente, arrecadando tudo aquilo que insisti em descartar

e bota pra dentro, bota pra fora

pra dentro de novo, pra fora de novo

até chorar

até sangrar


linda e metaforicamente

a vida vai se manifestando


e agora vejo, percebo, ilumino

(mas, tenha paciência, aos poucos elaboro)

o quanto eu quis ser medonha

por ser medrosa

por ser voraz

por ser insaciável

por ser frágil

por ter inveja

por ter um horripilante temor de sucumbir


me perdõe

por esse amor que rejeitei

persistentemente empurrei da cama

lamento muito, até o asfixiei

fui bruta, precisei ser

sentia que estava me defendendo de algo que eu não suportaria


e hoje me pergunto

será que amor é mesmo um perigo tão grande que eu não possa tocar?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

horta de segundas e quintas - e quem sabe um novo horário

 - você não teme que te deixem,

isso você projeta nos outros

porque é você quem se assusta com o perto demais (do broto amoroso)


- e não é do medo de que te vejam os defeitos,

é de que você não possa tolerar a ruína

da sua ideal perfeição (da voz-deus-mau-interno-enlouquecedor, que é sua agora)

[ voz da narradora: quanto mais esforço pra me tornar essa anja, como você diz, 

mais acaba que afasta mesmo, isso vem pra somar na estratégia de arruinar tudo

pra me proteger desse broto desconhecido] 


- quando exercita esse broto de amor,

você imagina que vão usar isso contra você

mas não vão


- você não quer mais carinho de alguém,

você quer receber esse carinho de você mesma


- você me parece estar contendo,

afinal você subiu até o décimo quarto andar

no dia que acidentalmente apertou o térreo

("acidentalmente")


- vocês duas tiveram uma conversa muito íntima,

e apesar de dizer que está tudo desmoronando

a primeira coisa que você trouxe pra sessão foi essa conversa


- você quer reconstruir um Deus bom



esse tal broto bondoso (amoroso)

feito wasabi

feito pimenta

feito jiló

feito mostarda também

e até queijo de cabra


brota assim

aversivo

picante

amargo

esquisito

forte de um jeito ruim


feito sushi, no primeiro dia:

pelo que recomendavam, o sabor devia ser algo como

o bolo molhadinho de recheio de nozes, chantilly docinho, igual ao do meu casamento

na verdade, igual de vários dos meus aniversários de criança


palitinhos, chamados assim, tristemente, os hashis

sambam, também tristemente, sobre a fina e crua superfície laranja

essa então chega molenga derretendo na boca

surpreendendo com um surpreendente sabor de

eca

sai

a peça desfeita na saliva exige uma grande capacidade de persistência


feito isso, é esse broto que brota

feito o zaatar que esverdeou essa semana

e que parece que vingou e quer vingar


brota aversivo, picante, amargo, esquisito, forte de um jeito ruim 

brota com dor, parecendo um novo trauma adiante

ou brota da dor, depurando, com seus espinhos, a película protetora

da membrana descontente que pede por descontenção 


brota porque há um espaço

brota pedindo por mais espaço

e agora, o que eu faço?


deixo chegar?

- mas o medo é da partida

então deixo partir?

- na verdade, o medo é de que queira permaneçer


o medo afasta,

mal sabendo, a voz-deus-mau-interno-enlouquecedor, 

que a hora que o wasabi chega junto com o sushi na boca

um novo desconhecido é reencontrado

e de repente

wasabi tem gosto de bolo molhadinho de nozes do meu aniversário




domingo, 30 de janeiro de 2022

talvez

Talvez fosse eu a sereia da borra do café

à margem da falésia

com os cabelos arrepiados indicando uma queda

mas a cauda, sentada, hesita


Sensação de que algo não foi dito

será se ainda imaturo para se revelar?

O que seria?

Talvez uma tristeza tenha se instalado gota à gota

trazida pela chuva dominical


O céu perdeu suas cores há alguns dias

mas quando se está acompanhado

de si ou de alguém que o valha

resistem tons e sobretons celestiais


Talvez também seja a simples roda da vida

girando, bela

e afiada

feito makita 

que grita

hipnotizando para o abismal suspense de como seria tocá-la


Mesmo não escorrendo o sangue fantasiado

os dedos coagulam-no em suas pontas

traumatizados pela pura idéia do trauma


Sei que isso tudo cabe a mim

e talvez

seja por isso que quem quer que seja

me colocou sentada nessa queda

sendo do mar, estando na terra, suspensa no ar


e aquele fogo

incendeia



desce

dos sobes e desces

da impermanência da vida

hoje sou convidada a descer


dos verdes, amarelos 

e, posso jurar, azuis

pedaços da Terra em seus olhos

hoje vi a fumaça de alguma floresta incendiada


afinal, quem provocou o incêndio?

provoca-lo-amos juntos

ou teríamos simplesmente nos atirado às chamas 

já anteriormente acesas?


por sei lá quem

mas deve ser desse mesmo "quem"

o convite a descer

encerra mais cedo o cafuné maternal

tira minha coberta

abre as cortinas para uma luz ainda Jabez


o quem me diz para somente estar

ontem Clarice disse para marchar

fico no acampamento dos perplexos

perplexa por saber que a descida chegaria

mas perplexa por sempre acreditar que pode tardar

ou talvez, nunca nem chegar



sábado, 8 de janeiro de 2022

amor verde e vivo

estar sozinho e muito bem acompanhado

com o silêncio do ar puro

da água tilintante

dos cães das lágrimas


o pensamento sossega

distraído com a imensa beleza do céu pintado

deixa espaço para o sentimento

para a sensação e para a intuição


o corpo destenciona

lavado pela delicada força do rio

massageado pela areia ainda molhada da chuva forte

volta a ser corpo


a alma desperta

pede licença para entrar no rio, pede licença para adentrar a floresta

recebe benção dos encantados

derrete-se de um amor calmo

um amor brisa

um amor sol pós tempestade

um amor verde, bem verde, bem vivo


sou bicho

sou sozinha na cidade superpopulosa

sou multidão em ti, Amazônia





sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

resta floresta

cada dia de um jeito novo

é tanta chuva despencando

o rio engorda, as árvores encurtam


os bichos ficam famintos de nos arrancar pedaços

para voltarmos em busca destes

nossa alma também é capturada

ressoa com o balanço das árvores e o canto das aves


no grandioso Céu, Deus pinta um novo quadro cintilante por dia

o horizonte aponta para nosso dentro

o contrário do horizonte é aqui

.

todo dia de um jeito meio igual

é tanto carro poluindo

o ar escurece, as árvores sufocam


nos tornamos bichos famintos de recuperar a inteireza

de relembrar sermos também natureza

nossa alma adormece narcótica

padece com a rigidez dos prédios e do grito engaiolado


no recortado Céu, o homem atrapalha a arte divina

o horizonte é mera ilusão 

o dentro aponta para fora