segunda-feira, 28 de março de 2022

Linha amarela,13:13, horário interno (e de Brasília, também)

Desceria na estação Paulista, tudo normal como sempre. Medular até a baldeação. 

Segundos anteriores me ocorrera a agradável - parecia agradável - lembrança de uma frase marcante, dentre várias, de hoje:  “A morte é o centro da minha vida”.

Abro os olhos e me vejo completamente perdida, espacial e internamente. Eu já não estava dentro do trem: estava do lado de fora da estação errada. Não havia baldeação, não havia retorno, não havia saldo. 

Tentava recalcular a rota mas não sabia nem onde me perdera. Esfrego as mãos na cabeça na tentativa de delimitar meu corpo existente dentro de um complexo mundo óbvio. Havia me perdido nesse lance de vida e morte: si-mul-ta-nea-men-te encarnadas. Ou também, caso eu queira me alienar de mim mesma, na estação Oscar Freire. 

Afinal, não foi agradável assim: no ato, adiantei a morte para uma estação antes. Ela é tão intolerável que às vezes só queremos que ela chegue logo e acabe com essa paúra. 

13:38 agora, aterrizo na estação Ana Rosa, em mim também.

domingo, 27 de março de 2022

intimidade

Parte I 


Somente pelos corpos colados se intimam 

Se engraçam 

se invadem 

Se perdem 

se evadem 

Se contorcem 

se misturam 

Se penetram 

se molham

Se aterram

Se incendeiam 

Se encontram 

se são


Somente ali 

se verdadeiramente são

A si, cada um 

também a ambos 


Vislumbra-se a perdição da tentação da tão união da paixão 


Parte II 

 

Infelizmente, somente ali 


Tanta falta de intimidade 

sequer é possível se invadir 

no corpo não tocado pela pele

a intimidade evapora

sábado, 26 de março de 2022

coça

nem pernilongo

nem formiga 

nem muriçoca

ou mesmo borrachudo

coça mesmo feito picada de mutuca


- demora muito?

- demora fundo

domingo, 20 de março de 2022

dá o play, macaco

Revivo nossas memórias no repeat 

tentando enjoa-las 

Como música que é incrível, como você diz, “muito intensa no começo

mas de tanto tocar 

evolui de música favorita para música insignificante ou até repulsiva 


Mas essa história que dou play

da que teve e da que não teve 

Parece ser como aquelas músicas 

Clássicas 

Eternas 

Inenjoáveis 


Cada vez que escuto percebo um encanto em algum canto 

e lamento que toda música tem que acabar


- Rhye, Song for you

- Freya Ridings, Lost without you

- Portishead, Glory box

- 5 a seco, Pra você dar o nome 

- Marisa Monte, É doce morrer no mar 



Que é melhor

Do que sofrer de saudade de mim como eu tô de você 

Essa dor eu não quero pra ninguém no mundo 

Imagina só 

Pra você 


terça-feira, 15 de março de 2022

rodas do desatino 14:00 cine belas artes

Quando voltares

se voltares

estarei melhor 


Não por causa de ti

mas também


Enquanto isso a gente vai fingindo que o outro não existe 

esquece do filme, há de ter ficado em cartaz eternamente

esquece, se é que é possível, do nosso toque incendiário


Até que, pouco a pouco, borramos a memória dos nossos rostos

a conversa do whatsapp vai ficando longe, perto de outras pessoas esquecidas

o waze não sugere nossos endereços

o teclado não sugere teu nome, sugere sílaba única, dor


Assim a vida vai imitando a arte 

e há de imitar nossas forma-pensamento-fingimento


Como me sangra a Bruna (enquanto espero que nunca chegue nenhum dia se não aquele primeiro):

Quanto tempo falta pra gente se ver e fingir que não se viu
Quanto tempo falta pra gente se ver e não se reconhecer
Quanto tempo falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu

segunda-feira, 14 de março de 2022

toquei blues bem baixinho e você ouviu

Eu também 

me sentiria presa à culpa do sonho que não se seguiu 

à raiva por quem não deixou sê-lo 

ao amor que sustenta toda essa ilusão 

Ou essa intuição 

Ou mesmo esse destino 


Não sei por que dizes que não 

afinal, falar isso, que já passou

não há de ser real 


"Não queres me magoar", acredito 

quando quero ver teu traço zeloso

 

"Não acessas isso", acredito 

quando penso que você falava sério que terapia te faria um bem 


Não pretendo disputar com seu amor, 

seu sonho, 

e seu sonho de amor 


Respeito o seu 

assim como o meu 


Desejo que ambos de nós 

ou, pelo menos um, 

encontremos aquilo que hoje 

ambos desacreditamos existir


Estamos blues

Eu, blue por ti

Você, por ela 

domingo, 13 de março de 2022

talvez se, não sei quando

a mancha de cerveja derramada na varanda: está pegajosa demais, atraiu formigas

a garrafa de coca no carro, da praia: só não andei dirigindo, então não a vejo

a mecha de cabelo gentilmente acariciada: lavei

a fronha do travesseiro: faxina hoje

as mensagens que chegam nos sonhos: hoje mudaram completamente, agora aterrorizantes


cheiros de apego parte II 

sábado, 12 de março de 2022

eco do silêncio (que porra de som é esse)

uma poesia por dia

uma prosa imaginária por noite


essa tal presença na ausência

inclusive agora se faz

mais concreta que outrora

te sinto, te ouço


sinto o toque que cafuneza

tão forte quanto escuto tuas respostas

que chegam às vezes a doer como tapas secos


pena que, por vezes, escuto borrado o eco do silêncio

se confunde

"ão, ão, ão"

estarias dizendo "pega minha mão, ão, ão"

ou o que diz é 

"não me procure não, ão, ão"?


sei lá eu, só escuto ão

deito de volta ao mundo dos sonhos onde se pode voar 


"ar, ar, ar"


acabar?

voltar?

dançar?

falar?

ignorar?

sustentar?

ficar?

matar?

tratar?

sonhar?

cozinhar?

piranhar?

sabotar?

fumar?

cuidar?

pirar?

gorfar?

espanar?

bancar?

chorar?

gozar?


que porra de eco "ar" é esse

sexta-feira, 11 de março de 2022

sóis e luas

os laivos do Sol que se vai

entre prédios

atrasam tua terminal presença

(eu insisto)


os laivos do sangue que escorre

de mim

antecipam minha cíclica melancolia

(não controlo)


solar, as vinte e quatro que poderiam ser mil horas

lunar, os vinte e oito que poderiam ser mil dias

(não puderam)


tua presença

poente


minha sentença

descamada


quinta-feira, 10 de março de 2022

café da manhã sem dor

De nós, que não chegamos a ser

sobram nós na garganta 

Coração engasgado 

Ando confusa, bem confusa 


E agora faz como? 

Com a saudade? 

Com a vontade de conversar? 

De dançar ou de rir ou de chorar na sua companhia

Faz como? 


Será que está tudo conjugado no passado, mesmo? 

“Estava, amei, era, foi”

Seu olhar está fotografado aqui dentro, no presente do indicativo

e até no gerúndio

e eu amo essa fotografia


Queria te ouvir mais falar das suas feridas, te beijar e dizer que dói mesmo e que vai passar

e, quando quisesse, estaria ao seu lado, segurando sua mão

Queria você-pacote-completo: 

amores, dores, 

doçuras, amarguras; todos os sabores


Queria viver uma dor e um amor juntos. 

Te mandar uma carta de amor. 

Receber um café da manhã sem dor. 


Queria

e se você alguma hora quiser

quero

quarta-feira, 9 de março de 2022

à árvore da pele

a brisa gostosa do vento

hoje

dói

sobre a pele

do corpo que se percebe corpo

descorporificado à medida que se dissolve na saudade

de quem eu realmente queria

que me tocasse

como brisa gostosa do vento


à flor da pele

à árvore paraense da pele

terça-feira, 8 de março de 2022

e não sei se, nem quando


a mancha de cerveja derramada na varanda: não limpo

a garrafa de coca no carro, da praia: não jogo

a mecha de cabelo gentilmente acariciada: não lavo

a fronha do travesseiro: não troco

as mensagens que chegam nos sonhos: não mudam


cheiros de apego

segunda-feira, 7 de março de 2022

primeira segunda

 - Me parece que você está muito triste hoje. E o jeito que você conhece de lidar com a tristeza é se machucando ainda mais.

domingo, 6 de março de 2022

tão cedo

o chinelo, dessa vez, ficou no capacho

e eu, como de costume, deixei a porta aberta

apesar de uma chave por dentro e uma chave esquecida por fora


você já não esqueceu mais nada aqui em casa

nós já não tínhamos um segundo encontro marcado mesmo antes do primeiro

o último beijo já tinha sido beijado, 

eu só não sabia ainda

(mas sabia de alguma forma)


pode entrar

pode trancar

não, não pode entrar

não pode partir


não tão cedo

não tão tanto


mas não teve como

a porta destrancada foi aberta

o chinelo já estava ali

a chave de dentro seguiu imóvel

enquanto as lágrimas se moviam em busca do mar 


você chegou molhado de água de cima

saímos molhados de água da dentro  

sábado, 5 de março de 2022

maquiagem

Segurar delicadamente o pincel 

que repousa sobre o

quadro do rosto e da alma 

Pintar-se 

Se arter

sexta-feira, 4 de março de 2022