quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

cego surdo e algo bom

a linguagem do coração parece outra
cega surda e burra
e o perdão é broto dela:
vem como doença boa, vem sem querer.
contágio por boca, por ar ou sem nem se ver.
parasita que invade, se manifesta ou fica latente.
depende do desejo -consciente ou não- imunológico de cada alma;
se fica encapsulado pode ainda, por independência, ter vida e abençoar com o perdão inesperado
se dorme com rancor, e acorda em paz e nem percebido
perdão vem imperativo
do ce
cura dor

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

sin sinai

Dormimos até as 23:00, quando sairia uma van do Auski Hotel. Éramos dois alemães, dois suecos, dois americanos, nós quatro, e uns quatro coreanos. Uma hora até chegarmos em Saint Catherine, enfim descobrimos que estávamos indo ao Monte Sinai. Na verdade, além do frio, não fazíamos idéia do que nos esperava. Conhecemos então quem seria nosso guia, do logo denominado grupo “Panorama”.
Na inocência, uma garrafa de água era o que tinha para nós quatro, guardada em uma das mochilas ainda mais inocentemente pesadas nas costas. 00:00, 8km up the Hill. Frio cortante e seco, subíamos com grande dificuldade (maior ainda quem veste três calças), com diversos pontos de parada. Todos estes com quartinho para nos aquecermos -o que não era tão vantajoso pois o choque com o frio era constante- preços médio-altos para nos venderem bebidas quentes sedutoras. Porém o medo de comer ou beber algo para não passar mal e me perder do grupo ainda me ajudou a não precisar ir ao banheiro até mais de o amanhecer.
O grupo foi se desfazendo aos poucos pois era muito difícil caminhar. Estávamos em direção de 2200m de altitude de crescente pura falta de oxigênio e temperatura. Prova de tolerância (Camels? Camels?! Camels?),condicionamento físico e paciência, inclusive dos beduínos (a priori nômades por definição, mas fixos em diversos pontos do monte), maioria muito servil e respeitadora. Estes caminhavam com tanta facilidade sobre as pedras hostis, com calçados impróprios e pulmões carregados de cigarro, que despertavam inveja e ao mesmo tempo esperança a nós mortais. Nós quatro ainda tínhamos o adicional de termos escalado na mesma tarde antes de partirmos, e, desse passeio, termos engolido apenas duas refeições. As respirações ofegantes subiam em uníssono e se pausavam quase juntas, no instante em que a angústia da respiração inútil se esgotava em estafa.
Todos param. A Lua é cheia e é quem nos ilumina na maior parte do caminho. Comportamento padrão de olhar para baixo e se surpreender com a altura conquistada. Olhar para cima em busca do sempre longe logo-ali destino. Sussurrar pela ajuda divina, que no meio de tanto silêncio, parecíamos ser mais bem ouvidos por Ele, e estar mais próximos a Ele. Esperança de novos milagres em potencial.
Enquanto não Deus respondendo objetivamente aos nossos anseios, arriscávamos breves conversas com os beduínos distribuídos pelo Monte. Ora oferecendo paciente e ostensivamente concluir a subida por camelos, ora apenas sendo paisagem que estende a mão exatamente quando o pé falha a pedra. Árabe de diferentes regiões, alemão, russo, inglês. Tudo da boca desdentada de um só sorridente beduíno.
O ar, o fôlego e a energia sobem conosco rarefeitas, ansiosas pelos “20 more minutes to the stairs. 30 more minutes on the stairs.” Sei lá em que ritmo, mas no fim, o tempo sempre era maior do que o prometido. O segredo era só se abster do relógio e se entregar ao otimismo beduíno. Melhor ainda foi ter passado rápido este tempo inicial, na esperança de que as tais escadas fossem de degraus homogêneos e que todos marchássemos, retomando a harmonia de passos e suspiros, que já estavam cheios de chiados e desistências progressivas.
Enfim, a pausa antes da escada, a mais longa, em busca de que mais membros do “Panorama” nos encontrassem e soubessem que este seria nosso ponto de encontro na descida. E a escada monstro começa. Até a Lua fez uma pausa e nos deixou tropeçarmos em diversos e perigosos “degraus”. Mas já não se pode desistir a 2000m de altura, a inércia ao contrário se encarregou de milagrosamente nos empurrar. Penúltima parada antes do cume, todos falam mais, sentem mais e sofrem mais. Meus dedos dos pés me fazem chorar por terem suado e agora o suor ter congelado meus dedos.
“Lua. Quanto subi. Quanto falta”. Faltavam cinco minutos até a última parada. Havia uns 5 dos Cafés Mono-preços, todos oferecendo agora também cobertores, que poderiam ser devolvidos depois, na base da funcional confiança. Pegamos um cobertor, agora, 5:30 da manhã; troquei minhas meias por outra reserva, e deitamos os três intercambistas sob o mesmo inflacionado cobertor, sem, porém, atingir o quentinho que queríamos. Mas não importa, ríamos por sermos vencedores daqui a cinco minutos. E o tempo, dilatado pelo frio, enfim passa, e todos seguem para um bom lugar ao topo. São 6:20 e dizem que o esperado será às 6:35.
Tempo dilatado, porém, o céu azul se separa do horizonte marrom por um risco dourado, intenso e duradouro. As pedras estão geladas como gelo, e ninguém senta para não congelar. Exceto um cobertor que enrola um senhor de idade solitário no melhor canto possível. Ofegante, idoso e com água escorrendo ou pelos olhos ou pelo nariz, a imagem me toma como milagrosa e checo o relógio para ver se era isso que eu veria as 6:35. Mas não podíamos nos distrair, é hora de aproveitar a pose da natureza para tirarmos fotos: todos se encarregam de abrir a boca seca, roxa e enrijecida pelo frio. O sorriso escapa sincero: rígido, pequeno, rachado, feliz e cansado.
A Lua, que também cuidou de ficar até então, recebe despedidas e posa dourada para as fotos. Retira-se gentil, deixando nossa atenção ao Sol. Sua luz antecipada ilumina 2200m de altitude e todos parabenizam a si próprios pela valência e força. Emoção religiosa, naturalista: panteísta. Deus, pedras, história, silêncio e harmonia. Noventa segundos do Sol que vem majestoso para compensar o esforço. Raios de Sol são saboreados com olhos fechados. Alimento divino, o tal milagre aquecido.
Agora, descer os 8km, sensação de completude acelera o passo e o entreguismo às fraquezas humanas. Bolhas, fome, dores, bexiga, impaciência. Logo o chão plano retorna.
“Sol. Olhar pra cima. Olhar pro céu. Olhar pra si”:
- Eu cheguei lá em cimão mesmo, Deus?
08 de Janeiro de 2012