domingo, 6 de novembro de 2011

na urgência com a qual alguém planeja perdoar:
a ânsia de ser vista no podium do amor incondicional

terça-feira, 30 de agosto de 2011

cor reto

Do mesmo ramo que nascem só folhas, nascem as que caem. Nascem frutas, as que apodrecem, as que perduram azedas, as que se esquecem em miniatura.

Do mesmo ramo que nascem os dons, nascem os defeitos.

Obras de arte, também as de descarte. E as de desastre.

sábado, 20 de agosto de 2011

sóporsí

Outros disfarçam tão bem ao mundo que são felizes.
E só quem é otária vive de querer ser autêntica colocando tudo em outdoor.
Do primeiro só se tem que o segundo se ilude de que seus problemas, ah, são catastróficos; a família mais problemática, 'óh, infelicitude!'.
E eu já nem compreendo tão bem o que é família, substantivo complexo indefinido, plural. "É substantivo singular".
'É verbo no futuro', ignora o presente e se diz passado. 'É adjetivo', críticas sobretudo. É cacofonia, é trava-língua, é palavra feia como é bonito o litote, é palavra bonita como é feio o oximoro; mas ao contrário. É sinestesia pura e impura. Família é rima preciosa e a terra que cobre o tesouro é compacta, pisada pelos que estão lá disfarçando.
Família é sinédoque, soa bonita, é elegante, é tudo; 'mas é um só por si'.
-Sóporsí?

terça-feira, 12 de julho de 2011

Uma bola de Portishead ,uma de flocos e self-service de areia e ursinhos.

É tão mais fácil fechar a porta.
E tão fácil falar as frases na ordem previsível. Deixar de descobrir, assim, belezuras aocontrárias.
É tão fácil o amendoim já descascado. Japonês, caramelizado, Tutti.
E mais fácil o filho-da-mãe me encarar, pela fresta do retrovisor, e invadir meus olhos com tanto fulgor até desconcertá-los enquanto dizia "passa o celular"; e seria tão menos fácil e mais vontade de eu cuspir na cara de quem me roubou outra paisagem que meus olhos poderiam ter olhado naquela hora e ele agora está pendurado na minha janela do carro.
Seria tão fácil dizer "Eu vou embora desse planeta, vou levar minha casa, meu cachorro e a Avenida Paulista."

Quero usar mais as palavras gentil, ternura e tinir; inclusive descobri que muitas das palavras das que gosto tem som de tê, mas que nenhum dos nomes que fantasio pros meus filhos tem essa letra.
Quero pegar um apanhado de areia bem fina, clara e com alguns só grãos escuros. Segurá-la forte, para não escorrer entre os dedos, apoiar os cotovelos na mesa da sala de jantar onde já deixei aberta uma cartolina branca grande e inventar um mundo novo, só com novos contornos, e desenhá-lo no papel fazendo caminhos de areia deixando a areia escorrer bem devagar e vagando ao som de Portishead se for ao entardecer ou de pássaros docemente histéricos se for umas dez da manhã. Fazer contornos que se fecham harmonicamente e dar nomes aos novos continentes e países; nomes bonitos, sonoros e com a letra "T" em alguns deles e outros com sons anasalados. Depois, com o dedinho, varrer as areias que saíram de canto ou que tamparam, e com elas fazer ilhas soltas pelo mar, que será todo o resto do papel não contornado.Vou inventar um jeito de virar miniatura e de povoá-lo, e vou lá viver no meu mundo, ver o que vai ser dele, como serão as pessoas, os costumes, os crimes, os deuses. Vai ser um mundo em que, a cada ventania, tudo muda de novo. De repente, Pólo Norte. De repente, filho de um guerreiro. A cada vento o tempo muda também, mas são sempre as mesmas pessoas. Elas teriam que ser flexíveis para viver da melhor maneira em todos os tempoespaços por onde passarem. "Tem vez que estou acordada e acho que estou sonhando ou sonhando eu acho que estou louca(...)."

Não quero dizer nada com o que digo, nem consentir com silêncio. Agora, mais freqüente, consigo arborizar loucuras que, antes, eram todas canalizadas em você. Desgastava você e eu desperdiçava minha cota diária de fugas de pensamento, como a de unir vários assuntos nenhum terminado, rir muito de uma piada e enfeitá-la com piadas secundárias até estragá-la ou baixar o nível, sem querer, e rir disso. Como quando minha maquiagem ficasse igual a da Helke.
Eu me curei da minha obsessão, me tratei na real. Aderi à homeopatia emocional: dos meus sentimentos secundários, eu abusei até enjoar. Que nem a piada que a gente, sem querer, estraga colocando uma sombra roxa e um batom vermelho. Enfim, tratei desses galhos. Daquele nosso cheiro, o destino fez que com que seu tubinho explodisse creme em toda a minha mala, e eu não aguentava mais aquele cheiro. As músicas foram sendo perdidas, suas melodias, se riscando. Não lembrava mais de vestir alguma das blusinhas que você tenha elogioado, talvez raras. Isso no período da overdose, em que a gente se droga de coisa pior que a droga pra esquecer da primeira. Agora passou. Eu nem gosto nem desgosto do cheiro. Tem dia que sim, tem dia que não. A música, as vezes sei cantar, em outras não. Tem dias que eu até visto alguma das blusinhas, mas não necessariamente pra você, meu bem. Isso não é ótimo? Chegamos onde sempre quisemos, se bem que isso não é tão gostoso; é uma pena e não é. Depende: é que nem sorvete na Lelu´s (eu pensei que era "Lelu´s", mas no Google está Lelos e eu acredito mais na minha infância); uma hora é flocos, outra hora é milho-verde.
-Hoje eu queria uma bola de cada com self-service de ursinhos, amendoizinhos, granulado e calda de chocolate que endurece e, junto com ele, endurecem as outras guloseimas, por favor!


Anacrônico: várias ventanias ocorreram durante toda essa mistura de assunto, que eu uni com calda de chocolate e, por algum motivo que desconheço, faz algum sentido.

terça-feira, 10 de maio de 2011

outono imperador

O coração sofre uma espécie de cãibra,
deve ter papilas que tornam a dor pensada em dor ácida e deixa o corpo todo doído.
É que chegou, imperativo, o desespero.

Desespero de quando a casa vazia, de repente, se lota.
Crianças, portas batendo, cochicho, fazer café, colocar fronha, sorrir, presentes, conselhos, conspirações, tevê ligada, ninguém assistindo, gente falando, ninguém escutando, cantos da casa bem por apanharem um bando de gente.

Desespero de quando todos se vão.
Quando tudo retorna ao silêncio, ao estático e sombrio e vem a vontade de fazer bastante café. Vai que voltam.
Talvez o melhor seja, mesmo, lavar a louça, empilhar os copos que vêm em conjunto de doze, guardar os colchões, descer do sótão, olhar no relógio que pisca vermelho, carente e triste no ultrapassado aparelho de vídeo cassete.

É que chegou, imperativa, a hora de se esconder do silêncio, que antes de rompido era até tão bonito.


quarta-feira, 30 de março de 2011

syn

levada
cevada
mordi a isca você
com aquele rebolado que só se tem com um anzol na boca

ao roteiro de sinta-sabores
você, meu personagem e eu a tua
você, o sabor musicado.

ao som que só se ouve quando se olha.
quando se te olha.

a música que compra minhas tristezas
depois me força a comprá-las de volta, com juros ao contrário.

a música que toca lenta quando me quer seduzida
acelera quando me quer enforcada naquela força hipóxica, cujo torpor se passa por Paixão

a música que se sabe boa, pelo bater dos pés, que sabem de antepé qual batida rítmica devem pisar.

e que se sabe maleita, quando hesita e finge a próxima batida e me engana o pé e o coração
só porque me ama.
e quem ama faz isso de surpreender
e de tirar o o ar só para devolvê-lo boca-a-boca.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Tem hora que eu sinto que o mundo está desabando,
na verdade, ele está só se construindo de ponta-cabeça.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

debaixo da mesa

vontade de cantar "naquela mesa" fingindo ser o filho.
de cantar, saudando os animados e os inanimados que tenham, um dia, testemunhado aquêle amor persistente.
mas não saudadando uma saudade que se sonha.


meu avô morreu num acidente de carro.
meu pai, ainda criança.
no mesmo dia, meu pai se suicidou.

bem antes de ter carrinho de rolimã,
barba,
de se casar
e de ser pai.


Deus deve perdoar criança que suicida.
perdoe! talvez, na época, o verbo nem fosse tão reflexivo...


"e hoje ninguém mais fala no seu bandolim
na-na-na-na-na-na-na
e a saudade dele, tá doendo em mim"


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

somatódio



1. "aquela cápsula de cor primária e tamanho infeliz
quando a abrimos
e não tinha nada!
apodreceu!
e o podre só se torna mais podre quando some
apaga
é nada"


2. medicados, cápsula por cápsula
e os doentes se curam, tomando-as no horário certo
com leite, com água, com reza
com tosse, com dor, tristes
e vem a voz serena, a analgesia, alegria.

e o remédio cura, posterga, funciona, inspira
e ninguém perguntou:
-E o Remédio?
-Não é nada...
Adoeceu? Onde dói? Irradia? Qual frequência? De zero a dez?
Ficou triste? Deprimido?!
Emagreceu muito, foi...

Σ. Lei da compensação.