domingo, 28 de dezembro de 2008

Miguilim quer contar História










Capítulo Primeiro - o melhor


Um jantar daqueles que une familiares que fazem jus à correlação sanguínea, a outros que se manifestam a nós em dois episódios da vida: quando nascemos e quando ganham uma máquina fotográfica. Assim que a desembrulham do pacote, querem, tão logo, ter retratos espalhados pelo apartamento e, nada mais óbvio, querem aparecer fotografados como alguéns caseiros, da família, amados e amadores. Pois bem: amadores, mas isso não vem ao causo.

Causo é que estávamos todos na sala de jantar, como em uma ceia. Observava um sóbrio copo de vinho posto em minha frente, esquecido por alguma tia que se serviu de outro mais cheio. Me divertia em provocar minha mãe, que não reparasse que o vinho reduzia da taça a medida que ela se distraia.

A mesa de jantar comportaria oito pessoas, mas sempre fazíamos sentar dez, adicionando toda nova criança que nascia em progressão geométrica.

Ao meu lado direito sentava-se meu avô, ao lado dele, a minha avó, e mais ninguém na mesa conosco. Ele vestia uma jaqueta azul e uma calça de veludo marrom que camuflava uma sutil mancha de café. Minha avó, excepcionalmente naquele dia, não deve ter aberto o mesmo armário, não vestia vestido de natureza morta e cheiro de natureza morta. Desfilava a passos lentos um conjuntinho de linha azulado, destacando seu sapato de mesmo tom marrom que combinava com o veludo e o café do vovô:

-Zezinhô, pega lá um copo d'água pra mim? Pediu a ele, enquanto, sem perceber que eu os observava, tocou o joelho do vô Zézo. Sorriu pra ele dum modo tão espontâneo e tão forçado ao mesmo tempo, talvez fossem as rugas roubando a delicadeza do sorriso.

-Eu(...). Titubeei, por segundos, que me encarregaria de servir minha avó.

Engoli a palavra disfarçadamente, segurei a taça de vinho como quem analisa distraído e se espanta pelo desconhecido. "Ela se vestiu diferente. Aproveitou esse aniversário do meu avô como pretexto de regar o amor que está com rugas, gaguejando e querendo ficar sentado. Seu conjuntinho tinha um cítrico aroma de natureza viva que eu não havia compreendido até então.

-Eu... não devo- sussurrei no copo para escutar e cheirar minha própria voz em torpor de epifania -Ele deve ir. Ela não esta com sede de água. Ela tem vinte anos, e um coração de limão a ser regado até bem laranja doce.

Receber água é a idosa maneira de ela ouvir "eu te amo", e não sou eu quem deve dizê-lo agora, o joelho não era meu.



O do meio - cágado


Férias de junho, São Paulo finge ser um país temperado de galicismos: poncho, cachecol, cacharrel, e quaisquer palavras com som de "ch", que pulam do dicionário só no nosso suposto e deselegante inverno. Ninguém da turma, a não ser eu e o H. Saímos do rocambole de edredon, plenas 17:00 para conversar. Eu, ele e um celular éramos suficientes pra armamos nosso fim do dia. Ligamos para duas, ou três, que aparecessem na casa dele para "conversarmos", que se fosse sem as aspas, seria também sem a graça.


21:00 duas delas chegaram: uma para cada um 21:25 elas estavam embriagadinhas, e nós dois só alegres; 21:45 elas estavam de alguma maneira que nós dois já não tínhamos condições de relatar.


Minha jaqueta, blusa dela. Minha calça, calça dela. Calcinhas, soutiens, perfumes, laços, fios de cabelo, perfumes... e que perfum es!


8:00 do dia seguinte, só perfumes e vagas lembranças. Lembranças? Dormimos num colchão no chão, na casa de madeira. Ela do meu lado direito, quando eu de bruços. Me virei, devagar, quis vê-la, não sabia como lhe dar aquele beijo de bom dia, o que lhe falar - eu mal a conhecia, eu a entorpeci desse jeito! Eu a conheci? Me segurei para não virar ainda, não podia me sentir culpado; nós dois queríamos, é, nós dois. Mas será que foi real? Minha dor de cabeça agora, não sei direito. Dane-se, vou virar, preciso vê-la, seus olhos verdes devem estar mais verdes com Sol nascente.


-Não! Não é ela!

Um flash da noite anterior, que a mãe dela cantava "Boi da cara preta" em todas as cores para que ela não se contaminasse com preconceito - e meu único comentário foi que ela perderia a rima - e ela me sorriu.

-Mas isso não deve sorrir. Será que...eu realmente dormi com essa tartaruga? E a tartaruga me olhava, sentada na almofada, seus olhos presos no mesmo ponto em que os olhos dela me olharam na noite anterior. Mas a tartaruga, olhando bem, a tartaruga também tinha uns olhos esverdeados, mas(...)


Último Capítulo


-Mãe, esse é o ultimo capítulo do trem? A menininha apontava para a placa de alguma estação do metrô.




ps: por mim, me agarrava, colocaria pregos entre meus dedos e estes últimos dias de 2008: não quero as novas regras gramaticais! Dentre minhas paixões, tenho a de preferir "Estória" a "História", mas isso já é estória antiga na gramática. No título daqui, no entanto, "História" é um nome próprio, e ele bem sabe disso.




A que eu mais gosto é a primeira; e eu gosto mais é quando ele me conta as estórias....ai, historinha.