terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

carta à mãe

o que aconteceu foi

que temi te amar


temi que, te amando, te destruiria

afinal, uma hora você estava

na outra, partia


achei que a cada partida me dilacerava

talvez fosse uma vingança, um castigo? e já alia nascia

em mim a noção de pecado

(ou assim mais tarde fui nomear algo já familiarizado)


não quis me sentir digna

não quis nunca mais botar pra dentro

algo que vinha tão sincero

tão humano

tão materno


passei e ainda passo anos

em que, sempre respondendo mal a todo tipo de restrição,

compensava, compulsivamente, arrecadando tudo aquilo que insisti em descartar

e bota pra dentro, bota pra fora

pra dentro de novo, pra fora de novo

até chorar

até sangrar


linda e metaforicamente

a vida vai se manifestando


e agora vejo, percebo, ilumino

(mas, tenha paciência, aos poucos elaboro)

o quanto eu quis ser medonha

por ser medrosa

por ser voraz

por ser insaciável

por ser frágil

por ter inveja

por ter um horripilante temor de sucumbir


me perdõe

por esse amor que rejeitei

persistentemente empurrei da cama

lamento muito, até o asfixiei

fui bruta, precisei ser

sentia que estava me defendendo de algo que eu não suportaria


e hoje me pergunto

será que amor é mesmo um perigo tão grande que eu não possa tocar?

2 comentários:

Anônimo disse...

A resposta de um buscador (Carta IX - “O Eremita”) - Parte I

o que aconteceu foi
que nós tememos a impessoalidade
do amor

o ar que anima o sol
de leste a oeste
sem ser notado por quem vive o infortúnio de ser pouco

temia que, te amando, ao verbo voltaria
afinal, uma hora você silenciava
e na outra, escrevia

mas é isto o que somos
enquanto antes da chegada
os traumas e histórias, uma penúltima palavra

O Eremita, você sabe
ele ainda não se dissolveu
dentro da roda do samsara

está no meio

admirando a simetria das formas
compreendendo o movimento das marés
elaborando as contingências de ser bicho

me perdoe
por este amor que inventei
o arquétipo d’O Louco, todas as voltas que eu dei
para chegar à carta IX

sem tempo, sem nome, sem justificativas para dar
sem a certeza de quem sabe o que iria
encontrar

eu hoje me pergunto
(estando só com o meu cajado)
se o amor possui a forma para que possa ser tocado.

Layla disse...

Que encanto de costura
quase uma dança poética!