o que aconteceu foi
que temi te amar
temi que, te amando, te destruiria
afinal, uma hora você estava
na outra, partia
achei que a cada partida me dilacerava
talvez fosse uma vingança, um castigo? e já alia nascia
em mim a noção de pecado
(ou assim mais tarde fui nomear algo já familiarizado)
não quis me sentir digna
não quis nunca mais botar pra dentro
algo que vinha tão sincero
tão humano
tão materno
passei e ainda passo anos
em que, sempre respondendo mal a todo tipo de restrição,
compensava, compulsivamente, arrecadando tudo aquilo que insisti em descartar
e bota pra dentro, bota pra fora
pra dentro de novo, pra fora de novo
até chorar
até sangrar
linda e metaforicamente
a vida vai se manifestando
e agora vejo, percebo, ilumino
(mas, tenha paciência, aos poucos elaboro)
o quanto eu quis ser medonha
por ser medrosa
por ser voraz
por ser insaciável
por ser frágil
por ter inveja
por ter um horripilante temor de sucumbir
me perdõe
por esse amor que rejeitei
persistentemente empurrei da cama
lamento muito, até o asfixiei
fui bruta, precisei ser
sentia que estava me defendendo de algo que eu não suportaria
e hoje me pergunto
será que amor é mesmo um perigo tão grande que eu não possa tocar?
2 comentários:
A resposta de um buscador (Carta IX - “O Eremita”) - Parte I
o que aconteceu foi
que nós tememos a impessoalidade
do amor
o ar que anima o sol
de leste a oeste
sem ser notado por quem vive o infortúnio de ser pouco
temia que, te amando, ao verbo voltaria
afinal, uma hora você silenciava
e na outra, escrevia
mas é isto o que somos
enquanto antes da chegada
os traumas e histórias, uma penúltima palavra
O Eremita, você sabe
ele ainda não se dissolveu
dentro da roda do samsara
está no meio
admirando a simetria das formas
compreendendo o movimento das marés
elaborando as contingências de ser bicho
me perdoe
por este amor que inventei
o arquétipo d’O Louco, todas as voltas que eu dei
para chegar à carta IX
sem tempo, sem nome, sem justificativas para dar
sem a certeza de quem sabe o que iria
encontrar
eu hoje me pergunto
(estando só com o meu cajado)
se o amor possui a forma para que possa ser tocado.
Que encanto de costura
quase uma dança poética!
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