quinta-feira, 25 de outubro de 2018

sob uma copa de árvore

uma premissa da psiquiatria é a de que, sob um estado neutro e de não julgamento,
consigamos empatizar com os que falam.
quanto mais brandos, mais lógicos e mais sensatos, mais fácil de se estabelecer uma conexão

pessoas francamente intoxicadas, eufóricas, alucinadas, delirantes, irritadas ou agitadas dificultam, mas não impossibilitam, os humanos atos de se comunicar e empatizar

há uma classe de comportamento que hoje é compreendida como antissocial
na qual, o que há de desumano e imoral no outro, não encontra destino de identidade em nós
salvo quando está igualmente presente e operante tal imoralidade no ouvinte

é lindo quando encontramos ao nosso redor aqueles que se parecem conosco
aqueles nos quais nos encontramos e nos espelhamos
torna fácil, inclusive, uma tarefa de se eleger um semelhante à cadeira de líder

não consigo compreender de forma alguma o que o candidato B diz ou defende
tentei, seguirei tentado, mas não só seus argumentos
mas sua forma, que não encontram em mim receptores compatíveis

voto na brandura, na sensatez, na vida e na justiça
é prioridade, no momento, que possamos estar 
vivos e livres
para que, dignamente, possamos usufruir de 
secundários ganhos mercantis e econômicos

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

100º: Troquei a roupa, escrevi, dormi, sonhei:

Houve uma grande polêmica do Bin Laden. 
Muçulmanos tinham novamente ganhado muito ódio.

Passou a valer uma nova regra: sua casa seria invadida no momento em que alguém lá dentro comesse chocolate (assim pensávamos) 

Pelo menos na casa de algum fulano havia sido assim
Pingou chocolate na pia 
Estes sem teto e sem rumo entraram e levaram tudo o que podiam 
Gás, comida, roupas, perfumes

E o nervoso de que chegassem na minha casa? 

Chego no hall do prédio, minha porta está aberta
Chamo e não tem ninguém dentro 
Entro e está tudo fora do lugar 

Dois homens então saem do apartamento da frente entram na minha casa e me cumprimentam

Peço a eles que tenham misericórdia 
Não deixaram nenhuma comida, levaram tudo e o gás da cozinha 
Eu disse que era médica
Um deles chorou e disse que ele estava procurando tratamento para cacofonia mas não tomava remédio, eu também chorei 
Este mesmo, quando falava, encostava muito a mão no meu corpo
Tive a coragem de pedir que ele parasse disso
Ele só parou na segunda vez 


Entrei no quarto querendo esconder coisas de valor dentro do box da cama: 
como pode até o colchão pesado e feito sob medida foi levado? 
Aí eu surtei
Fui lá fora e gritei 
Onde já se viu
Eles passavam fome ou passavam ganância? 
Levem minha comida mas não minhas fragrâncias 

Não tinha grito para ser acolhido
Todas as casas seriam invadidas 
Essa era a nova ordem 

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Tira logo a roupa

mostra a pele e a veia rota

Toma o rumo exato
Este seu certo é errado, dizem
Tem abismos catastróficos

Tira a roupa
Mostra o broto de peito já exausto
o estômago ardido de lágrimas alcalinas
Engole o choro

Aceita o cinto marcar o pecado
Colhe sua violação na vida adulta
Escolhe o caminho certo dessa vez
Recolhe seus trapos do chão

Seca esses olhos sofridos do prazer
Reúne o pensamento decapitado 
Não olhe para trás: 
este crime foi você quem cometeu

O dia do juízo final vai chegando
São minhas sábias mãos que chicoteiam o desvio
Deus fala através de mim
Não tenho medo, tenho conhecimento e honra 
Tenho fé de que tudo vai dar errado

É meu cacete que manda
ele que ensina
ele que comanda a hora da alegria
Seu buraco torto é que está íntegro em demasia

Essa sua casa não parece a minha
De onde venho há celas
Moramos presidiários de tormentos
Conosco habitam nossas excretas 
e o muro é alto demais para que as desprezemos

Sua rebeldia é uma maldição
Tira essa vestes suja e transgressora
Cobre suas ideias de latão
com minhas verdades de ouro

Nossos pais criaram filhos magníficos
Meu pai do céu me disse
Não estou delirando
A palavra certa é educando

Falo manso
mas não me provoque
não seja você
seja eu

Entrei em depressão
mas estou sempre no auge
mesmo minha escora é cume

Tira essa coroa
Tira os dentes
Tira o ar
Enforca, espanca, rasga, mata
Tudo seu é condenável

Asa é para aterrizar 
Boca é para fechar
Braço é para largar
Coração é para acumular
Cu é para cagar

Ajo por meios justos
herdei esse dom dos meus pais
e dos pais dos meus pais de três mil anos atrás

Sei mais que todos aqui
que o que é certo é certo
e o que é errado é seu

sexta-feira, 27 de abril de 2018

acrobático

Mergulhada em teus braços, submergi à cobertura 

O desejo era circense, pela liberdade de pairar no ar 
em sensação de queda iminente, salvação recorrente
Solidão entre um giro e outro.

Quando subo, não vejo nada que me segure nem nada em que me pendure
Vejo duas moças, talvez gêmeas, castanhos cabelos presos em rabo de cavalo
Cada uma em uma esquina do edifício   
sentadas em seus rubros tecidos acrobáticos
Não se balançavam, não rodopiavam:  mantinham uma assimétrica e cérea postura 

Impressionada por tamanha harmonia, verifiquei se havia qualquer rede que as segurasse caso elas caíssem 
Não havia rede
(havia harmonia?)
Procurei então meu tecido rubro, que decerto estaria pendurado nos céus
Não havia 

Havia somente a mim
ao centro
Me despedindo da aventura sequer ofertada
Admirando as relações das moças em seus ousados relacionamentos serenamente dissimulados
Não havia respostas, não havia redes, não havia giros, não se previam quedas
Apesar de haver movimento
não havia  perigo
Somente havia o infinito céu sobre mim
e o horizonte que te apontava crescente


sábado, 17 de fevereiro de 2018

encosta no meu ombro

vem cá, meu menino
encosta no meu ombro
seu choro quente me aquece a alma
quisera eu pudesse estar dentro dessas lágrimas
há tanta vida nelas, tanta vida viva

essa sua dor de hoje me encheu de ânimo
esta dor de vestir um sapato que já está apertado
porque você vem crescendo
e há dor no crescimento
dores e perdas

"mas tem gente andando bem com seus sapatos
não têm mimica de dor ou de questionamentos
andam como se voassem, ou como se estivessem descalços"

pois é
mas cuidado com comparações
cada um tem o sapato que precisa vestir, pra criar os calos que precisa criar, pra andar nos ladrilhos que precisa pisar, pra chegar no destino em que precisa chegar
chegar para, então, talvez, trocar de sapatos, trocar de pisada, trocar de norte, ou talvez até, descansar 

se ao primeiro pé que encontra o chão, logo ao despertar, contássemos quantos passos são necessários a fim de chegar a um determinado fim, enlouqueceríamos
ou sequer desceríamos da cama
passo não foi feito pra ser analisado matematicamente
passo foi feito pra ser pisado
pra ser somado ao próximo e ao próximo
pra chegar num lugar diferente do cômodo agora

se ao primeiro penhasco hesitássemos
ajoelhássemos e gritássemos um ecoante pavor
jogássemos uma pedra a fim de ver como seria o espatifar da nossa queda
de ajoelhados, passaríamos a sentados, deitados, enraizados, ensolados e desolados
nos cegaríamos de tanto olhar o barranco
que não somaríamos - e agora sim queremos a soma - que dois catetos de caminhada
nos levam à hipotenusa do lado de lá
a resposta estava exatamente em não olhar pro lado de lá
mas em dar um passo aqui mesmo
do lado que ainda parece obscuro

se ao primeiro passo errado
ou até ao primeiro passo desistido
empreguiçado, desacreditado ou simplesmente esquecido
comprometeres a marcha
não se ajoelhe, sente, deite, desole
tentar e não conseguir não conta como um ponto a menos
soma um ponto a mais
parece uma matemática torta, e é

pois a intenção de movimento
já é um movimento
a elaboração de uma chegada
já é uma chegada

uma chegada ainda bebê
ainda criança
que virá no seu colo
com um ranho de um lado, uma lágrima de outro
pedirá seu colo
dirá que se sente sem forças e sem ganhos
te convencerá a dizer que, de fato, a falha dela a comprometerá pela vida toda, e que agora ela tem permissão de desistir e sucumbir
quererá que você assim o diga, para que ela possa, enfim, ceder à desistitude

por que ela faria isso?
ora
pergunte você mesmo
essa criança mora dentro de você
e talvez ela queira que você diga "desista"
exatamente porque ela sabe
crê
e tem fé
que você vai dizer exatamente o contrário

você dirá
- vem cá, minha criança. deita no meu colo. o que te aflige? 
eu te amo por você ser quem você é
cheio desses defeitos para poder contrabalancear as maravilhas que evaporam de seus poros
eu te amo pelos lindos edifícios que você constrói todos os dias e também pelos que estão não tão inteiros
eu te amo porque tudo isso me lembra que sou também humano, sou também criança e também choro
eu te perdoo por você não sentir o mesmo de si, por você, às vezes preferir não descer da cama
eu sou grato por fazer parte da sua existência, da sua linda jornada; sou grato pela sua saúde e plenitude
eu sinto muito pela sua dor
mas é na dor e nas ondas que quebram
que podemos optar
por passear um pouco na areia
ou por boiar em alto-mar