sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Ninguém

Ia para alguma balada do centro de metrô, sozinha, em sonho.
Chegando perto, caminhando, algo me fez olhar pra trás.
Vi um cara de branco, que andava ligeiro. Comecei a correr.
Ele me catou pelo braço e disse: Meu amigo gostou de você.
Foi me arrastando com muita força.
Eu olhava para algumas pessoas na calçada e gritava por socorro, lembro do rosto de um simples rapaz que me olhou fundo nos olhos e disse: precisa de ajuda?
Eu só respondi com os olhos que sim.
Assim que passamos em frente a um boteco esse rapaz trouxe mais pessoas e, juntos, desmontaram o homem que segurava meu braço.
A sensação foi das piores do mundo.
Acordei introjetada, dolorida por ter que sofrer isso mesmo em um sonho.

Quando revistaram o cara ele estava com uma faca no bolso e disse: Magina, uso isso pra cortar a unha.
Encontrei um grupo de pessoas da Santa Casa e quis ficar com eles até perder o medo de voltar pra casa.
 Mas meu mundo já era diferente. Eu já tinha sido violentada. Pedi um lanche e não comi.
Voltei pra casa, receosa em contar o ocorrido a meus pais, com medo de me boicotarem saias, metrôs e baladas.

Foi pior que isso. Quando contei fui vista como um fantasma. Sobrou de mim somente minha alma,  ela nem tinha brilho ou era enxergável.
Ninguém ligou para nada, a não ser o rapaz da calçada.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Tornando

Sinto saudades do inominado
deleite com inanimado
das últimas gotas escorridas pelo telhado
da chuva que ainda chega
de paz e loucura latentes

A mira desproporcionalmente adiante
com apologia à lei da atração
abocanha sua própria cauda
pausando na cena de maior furor

Pega então pela melancolia
ninada pelo azar não vivido
(interpretado por vivido)
enquanto a  janela das gotas
coberta pelas cortinas paradas
tornam no escuro os sonhos ainda mais próprios.

domingo, 21 de agosto de 2016

banquete

quero me apaixonar
poder te contar

cansei destes terrores impostos
dos jogos orgulhosos
do império da arrogância

quero a liberdade de amar
narrar sentimentos
variar em devaneios
suspirar em vernáculos

poderá ser cansativo, no início
talvez não te aguentes dos meus excessos
talvez isso, de mim e de ti, passe
minha insistente admiração e tua humilde impaciência

quando amei assim guardei em mim
do pouco que escapou, contei
retribuímos
vivi meus medos, cai
se riu

me arrependi
dei ouvidos aos julgadores
me conformei com as regras presentes
é repulsivo ser sincero demais, dizem

retrocedo então
à idade dos filhos meus que virão
fantasio no amor
por alguém a quem eu possa justificar
seja platônico, não me importo
jamais serão mortos meus sonhos

minhas declarações continuam desgarradas de coleiras
famintas pelo som do trinco
que se abre enferrujado
e do outro lado
há alguém sedento a alimentar essa fome

aprendi que preciso me conter
ter mais classe para abrandar os impulsos
é preciso dar lentas garfadas, dizem

sentada à mesa
o banquete não apetece
etiquetas não servem
som oco do estômago distorce a voz dos elegantes confessos
estariam todos alimentados ou gritam a disfarçar seus também vazios?


terça-feira, 28 de junho de 2016

Carta aos filhos

(...)
Me ative a pequenas sortes que muito me mantiveram, mas por uma fresta, que vem crescendo, sempre enxerguei a razão divina que deve haver - e com certeza há - nesta mudança do meu caminho. É como eu seguindo um GPS que, de repente, recalculou a rota, deixou de me mostrar quanto tempo falta para eu chegar, qual é meu destino e não havendo possibilidade de eu domina-lo. E me entreguei.
(...)

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Misericórdia

A casa é Santa
mas o discurso está torto.

O amor é partilhado
a felicidade é meta

Os caminhos são diversos
o respeito é sine qua non.

Os mais velhos dizendo ter vivido mais
os mais novos trazendo viçosas ideias.

Ser agressivo pra agredir a agressão
é como desligar a luz para apagar a escuridão

Deixar babar o pus da ferida que outrora foi feita por alguém
é valorizar a dor acima da cicatriz
é vingança sem fim
é fazer o mesmo, ferir mais um
mais um
mais outro
eis que volta a si.

O homem é coletivo
e coletivos são seus defeitos
quem nunca se sentiu por cima e por baixo
que atire a primeira pedra
com o risco dessa cair para cima ou para baixo
dependendo de onde se está neste exato segundo.

O homem é divino
assim como o perdão

Quando perdoar estiver difícil
dialogar, atravancado
compreender, imprevisível
concordar, incogitável
talvez o silêncio seja mais santo que o fervor.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Amigo, alegria e anjo

"Não seja materialista
Isso é tudo uma ilusão
Alma na carne

Minha alma é grande e não cabe no meu corpo
E eu só vim aqui para te dizer isso"

Por Patrick Bogdanowicz 2006, in memorian

domingo, 31 de janeiro de 2016

Mamificação

Estranho o processo de crescer e desaparecer.
Ter quinze anos e ter a impressão de que minha mãe é ingênua ou inocente demais. Não controla sua bondade espontaneamente exagerada, atraindo sempre quem lhe tira proveito, podendo até tornar ex bons em calculistas.
Talvez seja a falta de modernidade em sua vida, tecnologia, malícia, sei lá eu; eu tinha algo aos meus quinze que minha mãe não tinha,
Maquiagem religiosamente rotineira, brincos grandes e pele facilmente bronzeável.

Cinco anos, que cinco sempre foi um número um tanto metido. É impar, tem pose de galã e ri soberbo do quatro e não tem pudor de caçoar do seis ser somente um risco errado e bobo.
Idades múltiplas de cinco: problemáticas, iludida. Além de estar marcado em meu ombro esquerdo.

- Eu era pretinha quando tinha sua idade, também.
Só brincos grandes e maquiagem que não tinha, particularidades dela mesmo.

Aos 20 anos acordo, mal percebo que escovo os dentes de frente a minha mãe refletida no espelho. Minha maquiagem é um breve risco preto, meus brincos encurtaram e estou branquinha.


Este espelho reflete coração, na verdade, o que pensamos quando escovamos os dentes, encarando a nós mesmos. Estranho tornar-se cinco anos mais nova. Encurtar no tempo. Tornar-me ela. Ser quase impossível frear o fenômeno de mamificação.


Toda malícia caiu, tarraxas frouxas, demaquilantes
De repente, sou eu carregando torta todas as sacolas do mercado e da vida, de uma só vez, calada com um sorriso.

- Quer ajuda, mama?
Ela responde ainda sorrindo, ainda quieta, convencendo não ser necessário. Eis que tiro dela uma das sacolas e ela agradece.
- Por que não pediu ajuda, pô?

Resposta inverbalizável. Aos vinte sei exatamente, questão de sentimento encravado. Desejo de que o mundo não pergunte, não hesite, apenas poupe de mim algumas sacolas sem que eu veja.

- Por que você recusa ajuda?
Não dá pra explicar, é algo totalmente vago, talvez porque:
a) realmente não preciso
b) realmente não quero
c) preciso sim
d) tanto faz
e) por que você pergunta e não faz direto?
f) até prefiro que você não faça  pois eu sofreria de alguém fazer algo por mim
g) por que ninguém faz algo por mim?
h) eu prefiro me sacrificar do que terceirizar
i) eu não mereço alguém aliviando a minha
j) por que não mereço?
k) como todas as outras mulheres merecem e eu não?
l)) sendo más, egoístas, firmes, fortes, mandonas, boa auto estima, conjugam bem o imperativo, recusam tirar os brincos, são rudes, grossas, conseguem o que quer, intempestivas, maliciosamente persuasivas
m) receber ajuda ou carinho espontâneo vale mais ou menos do que adaptar meu comportamento?

Essa é a questão. M de mãe. Não tem resposta.

Janeiro 2010

sábado, 9 de janeiro de 2016

encaixe

um dia te apresento mais de mim, 
se você continuar curioso.
gosto de colocar alguns feixes de luz nessa nebulosa de mim. 
Layla, saiba também, significa noite, o que parece ser meu DNA.

 enigma
às vezes afoba
noutras romantiza
dilata beijos
espalha assassinatos
e dependendo de onde se está
só é possível aprecia-la com boa luz
Lua arrebatando o excesso da falta.
e sou de excessos: 
de sombras e desejos também.






nota:
não sei dizer ao certo se ver noite com telescópio funciona na metáfora
por enquanto acredito distância ser a melhor ferramenta.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Estou igualzinha ao céu
lágrimas e gotas há dias
especialmente nessa época do ano. 
quanto mais depressa o carinho,
tortura.

dedo há de tocar suavemente
o calor entre as peles é quem acaricia o coração
a distância facilmente rompível, apaixonadamente mantida,
de propósito.

olhos narrando beijo intenso,
porém bocas expirando
dizendo quereres com ar quente,
deixe a língua pra jajá.

corpos se unem por quentura
distância
charme
e obviedade imprevisível.

se não der pra ser assim,
bem,
então não vai dar.