domingo, 31 de janeiro de 2016

Mamificação

Estranho o processo de crescer e desaparecer.
Ter quinze anos e ter a impressão de que minha mãe é ingênua ou inocente demais. Não controla sua bondade espontaneamente exagerada, atraindo sempre quem lhe tira proveito, podendo até tornar ex bons em calculistas.
Talvez seja a falta de modernidade em sua vida, tecnologia, malícia, sei lá eu; eu tinha algo aos meus quinze que minha mãe não tinha,
Maquiagem religiosamente rotineira, brincos grandes e pele facilmente bronzeável.

Cinco anos, que cinco sempre foi um número um tanto metido. É impar, tem pose de galã e ri soberbo do quatro e não tem pudor de caçoar do seis ser somente um risco errado e bobo.
Idades múltiplas de cinco: problemáticas, iludida. Além de estar marcado em meu ombro esquerdo.

- Eu era pretinha quando tinha sua idade, também.
Só brincos grandes e maquiagem que não tinha, particularidades dela mesmo.

Aos 20 anos acordo, mal percebo que escovo os dentes de frente a minha mãe refletida no espelho. Minha maquiagem é um breve risco preto, meus brincos encurtaram e estou branquinha.


Este espelho reflete coração, na verdade, o que pensamos quando escovamos os dentes, encarando a nós mesmos. Estranho tornar-se cinco anos mais nova. Encurtar no tempo. Tornar-me ela. Ser quase impossível frear o fenômeno de mamificação.


Toda malícia caiu, tarraxas frouxas, demaquilantes
De repente, sou eu carregando torta todas as sacolas do mercado e da vida, de uma só vez, calada com um sorriso.

- Quer ajuda, mama?
Ela responde ainda sorrindo, ainda quieta, convencendo não ser necessário. Eis que tiro dela uma das sacolas e ela agradece.
- Por que não pediu ajuda, pô?

Resposta inverbalizável. Aos vinte sei exatamente, questão de sentimento encravado. Desejo de que o mundo não pergunte, não hesite, apenas poupe de mim algumas sacolas sem que eu veja.

- Por que você recusa ajuda?
Não dá pra explicar, é algo totalmente vago, talvez porque:
a) realmente não preciso
b) realmente não quero
c) preciso sim
d) tanto faz
e) por que você pergunta e não faz direto?
f) até prefiro que você não faça  pois eu sofreria de alguém fazer algo por mim
g) por que ninguém faz algo por mim?
h) eu prefiro me sacrificar do que terceirizar
i) eu não mereço alguém aliviando a minha
j) por que não mereço?
k) como todas as outras mulheres merecem e eu não?
l)) sendo más, egoístas, firmes, fortes, mandonas, boa auto estima, conjugam bem o imperativo, recusam tirar os brincos, são rudes, grossas, conseguem o que quer, intempestivas, maliciosamente persuasivas
m) receber ajuda ou carinho espontâneo vale mais ou menos do que adaptar meu comportamento?

Essa é a questão. M de mãe. Não tem resposta.

Janeiro 2010

Um comentário:

Anna Carolina disse...

Layla você manda muito bem!! Parabéns pelo texto. :-)