sexta-feira, 4 de julho de 2008
Pesadelo de plástico
Ele diz que as flores têm gosto de morte.Eu digo que vida tem gosto, e por que não desgosto, de morte.
Ter uma família tem gosto de vida.Tê-la, sem, de fato, possuí-la ou ser possuído é morte.
Ter um bom amigo é vida;tê-lo afastado, por motivos alheios,me é a morte.
Sim,me é.
Ele disse que as flores de plástico não morrem:pessoas de plástico não morrem.Encapuçadas da direita,de barata,cheirando a polímeros,sorrindo de morte. Estes,não morrem.Morrem os bons,daí que a vida pros remanescentes é morte.
Morre a educação,morrem os livros,morrem os bons.Morrem as palavras,as letras, o sentido da vida.Morre o amor,mas que antes de morrer, mata os amantes.
Vivo por aí,vivo morrendo.Tirando a teoria de que o dia de minha morte será o dia de menor probabilidade que eu morresse, vou morrendo, no gerundismo abominável da vida.
Morri meu ontem, o ontem que eu queria ter feito.
Queria ter aprendido a tocar violão, queria ter comido pipoca doce e conhecido os dreads que dizem exalar cultura. Queria ter rido de uma piada que alguém poderia ter contado. Queria ter dado um passo pra trás, virado a esquerda e ido pelo caminho que não fui;assim, só por curiosidade.
Queria não ter perdido os quinze minutos no lugar errado,com pessoas erradas e com o eu errado.Não ter piscado na hora que pisquei,e visto o que não vi.E fechado os olhos pra aquela ceguinha caída na plataforma do metrô, e pro negro cego que choramingava pela amiga.
Na verdade,eu queria sim ter visto.Por um lado queria também que eles pudessem ver,mas no fim,o ser humano é desprezível,e por isso invisível.
Dada a visão para estes passageiros seria lhes entregar a morte, o desgosto amarelo gosmento de barata da vida.
Pensem,e se ela começasse a enxergar? Pensem vocês,eu não quero.
Eu recuso a vida,recuso a morte.
Só não recuso meu presente,talvez ignore-o,mas não recuso. Prefiro minha cegueira no presente,quero ter minha visão do agora pouco e do logo,mas agora,quero ser cega.
Cega de um olho que não precisará nem ser olho;não precisarei chorar.
Quero estar cega dentro de mim, quero ser surda de mim e insípida a mim;afinal,sou como outro humano desprezível.Só que não sou de plástico, e morrerei cedo. Porque morro amanhã, e amanhã não é,será. E se será,pra ele estou enxergando. Tudo meio cubista e meio ininteligível,mas passível de minha alma entender.Afinal,essa é uma carta a mim mesma, à pessoa que menos conheço na vida e na morte, mas que conheci e conhecerei perfeitamente, assim, no passado e no futuro. O presente eu jogo debaixo do tapete e estou a pisá-lo por cima.
PESA(do)(delo)
Em vão,em luar
senti uma figura densa e amorfa me enforcando
e abafando.
Era minha sombra que silenciosamente gritava.
Minha sombra não me reconhecia mais.
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3 comentários:
dizem que "em terra de cego, quem tem olho é rei";
pensa bem.
seria muito sem graça viver em um mundo que só você conseguisse ver as coisas.
imagina:
você pergunta para um amigo(cego):
- ei! qual a sua cor predileta?
aí ele te responde:
- seria o verde se eu enchergasse.
deve ser muito ruim essa sensação.
acho que só não é pior que você ter um alguém pela qual há um sentimento e, mesmo que indiretamente, perguntar:
- o que você quer de mim, afinal?
e esse alguém te responder:
- (...)
responder:
- (...)
ou melhor.
não reponder.
acho que nesse momento seria legal ser cego.
as vezes é triste não saber o que vê; olhar pro outro lado da sala e ver um monte de fumaça.
olhar e não poder fazer nada.
olhar e olhar; e nada.
passar e não olhar.
fingir que não vê.
espiar.
espirrar.
nós todos somos cegos.
e somos porque queremos.
nós todos temos amor.
não temos quando queremos.
enfim.
(...)
essas reticências não farão diferença, assim como a maioria das coisas que eu escrevi até hoje.
fica aí mais um subentendido.
mais um nada de mais.
pois bem.
acho que vou ficar cego também.
parece ser bem mais fácil.
[escuro]
alguém pode me acender a luz?
FIM.
esses dreads me lembram algo....
enfim, eu leio seu blog
otimista demais esse post...=]
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