Uma mulher encontrou um homem. O homem completa a mulher, assim pensa ela. Homem é quem eu precisava encaixar na minha rotina louca, que é a rotina de uma mulher - pensa a mulher.
Ela analisa o Homem quando este toca a campainha, ela analisou como foi o sonar da campainha.
- Estaria ele bravo? Ora...bravo não! Talvez esteja com pressa! Talvez, porém, esteja com as mãos cheias de alguma surpresa pra mim, e seu dedo pressionou com uma burra força a campainha. Hm, sinto cheiro de flores!
O Homem estava normal. Muito normal. Mãos no bolso olhando algum detalhe qualquer numa mira simples. Ela, então, reparou nas trepadeiras da parede e pensou: ainda bem que é só a natureza que está conspirando a favor, não tenho nenhum vasinho bonito pra colocar as flores, ele me acharia desmazelada.
Quando voltam seus olhos para os olhos do Homem, ela lhe dá um abraço desengonçado e verdadeiro, mirando o jardim, mentalizando agradecimento ao destino, enquanto cafunga forte o pescoço do Homem.
O Homem:
Quando voltam seus olhos para os olhos do Homem, ela lhe dá um abraço desengonçado e verdadeiro, mirando o jardim, mentalizando agradecimento ao destino, enquanto cafunga forte o pescoço do Homem.
O Homem:
- Toquei a campainha. Celular, carteira, chave do carro, rádio do carro. Tudo aqui.
Porta abre:
- Cheiro gostoso na casa. Vestido interessante. Hmmmm, que delícia tudo que eu senti nesse abraço.
A Mulher cozinhou em todas as vezes que o Homem vinha, mesmo que a visita fosse só para buscá-la para irem a um lanche.
- Qualquer coisiiiinha. Amendoim com um cházinho. (Para minha auto-confiança plena do momento, desejo muito saber se ele realmente iria gostar das refeições, pra caso a gente more junto. Ah! "Caso" não, a gente vai morar junto! Ah, a Lua de Mel, vai ser tão linda!)
O Homem conheceu a Mulher onde trabalham. Ela estava sempre com o gancho do telefone em um ouvido na última mesa do escritório, ao lado da cafeteria do andar. Algumas vezes a outra mão da Mulher estava remexendo algumas madeixas de cabelo. Uma vez era a caneta que ela estava mordendo, mas talvez só essa o Homem tenha percebido. Ele só quer pegar café e acha bonitos os peitos da vizinha da cafeteria. Quando lancha sozinho, se diverte em colocar uma cadeira em direção ao Gabinete dos Peitos.
A Mulher, um dia, percebeu. Bem na hora que escrevia um recado importante no telefone. Percebeu que um Homem olhava pra ela, tão fundo em seus olhos que, acelerada, deixou o gancho cair. Agachada para pegar o telefone caído, a mulher manteve seu foco no Moço, notou que ele lhe deu um sorriso.
O Homem, com a xícara próxima a seu rosto, achou interessante que sob essa perspectiva seus peitos ficaram ainda mais excitantes, sorriu. Hoje eu sou um Super-homem, pensou e contraiu os músculos de seu iniciante peitoral.
O Homem gosta de bons filmes, boa música, boas lingeries.
Gosta de compartilhar com a Mulher. Acha interessante que ela tenha outros pontos a favor. Fala sobre o filme italiano e, contente, acaba falando de um filme muito longe de um gosto feminino, e se surpreende quando ela diz que sim, que assistiu. Ele desacredita!
Ele gosta de ser o motorista de seus encontros. Ele acha carinhoso isso, de ela cozinhar. Ela coloca pouco sal e ainda não percebeu que eu não gosto de pimentão, mas é gostoso se aconchegar numa casa grande e limpa, tomada pelo vapor quente da cozinha. Em casa, muitas vezes, ela o recepciona com um roupão grande, difícil de saber se ela está sem nada por baixo. Ele é o Super-homem quando acredita que ela se comporta mais safada em alguns desses dias.
Uma vez ele lhe trouxe flores.
O Homem gosta de conversar com a Mulher por conseguir não falar do emprego. Ela só atende telefones e pouco entende do meu stress na empresa. E nem precisa entender. Farei dela meu porto-seguro. Meu escape. Minha fuga e meu prazer. Deleite.
O Homem gosta de você, diz a Amiga. Mas ele não está te fazendo bem, continua, alisando os ombros da Mulher.
A mulher escuta a Amiga já há mais de dez anos, e sempre ouve muito emotiva e considera o que está sendo dito. Geralmente, perde mais tempo sendo emotiva.
A Mulher percebe que precisa rever o relacionamento. Precisa rever sua felicidade, colocar ambos em gráficos, analisar a intensidade pelo tempo, data por data. A Mulher precisa também rever quais eram, mesmo? Os critérios do meu homem Perfeito?
A Mulher precisa cozinhar, mas assim que ele chegar, ela tem que parar de pensar nisso. Tem que fingir um orgasmo da rotina. Ela saltita, estabanada, em direção à campainha que toca, antes de dar uma última profunda inspirada. Coloca as mãos na maçaneta.
Algo retarda seu movimento de abertura da porta. Ela paralisa e sente seu rosto aquecendo. O calor começa a percorrer um caminho ascendente para seus olhos, e seus olhos alcançam uma temperatura fervente.
Ela tenta inspirar de novo com mais calma, ele não pode ouvir do outro lado da porta.
Os olhos então são encharcados pelas bombeiras glândulas lacrimais, a expiração sai soluçada.
O Homem esfrega as mãos de frio e está ansioso para entrar desde quando ouviu o estalar na maçaneta. Ouviu, também, um som indiferente.
A Mulher, ajoelhada, ouviu a campainha tocar mais uma vez.
Seu celular tocou cerca de meia hora depois de ter se esparramado, melancólica, pelo chão.
Sentia o vento de fora arrepiar-lhe as costas e tolerava-o. Tem sempre que provar pra si que pode tolerar circunstâncias difíceis. Provar que ela era corajosa, capaz e carente de amor. Que o Amor logo ocuparia o caminho do vento, remexendo seus cabelos e assobiando a primeira música que seu Homem lhe apresentou.
Passou a noite em claro na mesma posição torturante. O silêncio não fora interrompido uma vez, sequer. Nem o telefone, nem o vento mudou sua vibração.