É tão mais fácil fechar a porta.
E tão fácil falar as frases na ordem previsível. Deixar de descobrir, assim, belezuras aocontrárias.
É tão fácil o amendoim já descascado. Japonês, caramelizado, Tutti.
E mais fácil o filho-da-mãe me encarar, pela fresta do retrovisor, e invadir meus olhos com tanto fulgor até desconcertá-los enquanto dizia "passa o celular"; e seria tão menos fácil e mais vontade de eu cuspir na cara de quem me roubou outra paisagem que meus olhos poderiam ter olhado naquela hora e ele agora está pendurado na minha janela do carro.
Seria tão fácil dizer "Eu vou embora desse planeta, vou levar minha casa, meu cachorro e a Avenida Paulista."
Quero usar mais as palavras gentil, ternura e tinir; inclusive descobri que muitas das palavras das que gosto tem som de tê, mas que nenhum dos nomes que fantasio pros meus filhos tem essa letra.
Quero pegar um apanhado de areia bem fina, clara e com alguns só grãos escuros. Segurá-la forte, para não escorrer entre os dedos, apoiar os cotovelos na mesa da sala de jantar onde já deixei aberta uma cartolina branca grande e inventar um mundo novo, só com novos contornos, e desenhá-lo no papel fazendo caminhos de areia deixando a areia escorrer bem devagar e vagando ao som de Portishead se for ao entardecer ou de pássaros docemente histéricos se for umas dez da manhã. Fazer contornos que se fecham harmonicamente e dar nomes aos novos continentes e países; nomes bonitos, sonoros e com a letra "T" em alguns deles e outros com sons anasalados. Depois, com o dedinho, varrer as areias que saíram de canto ou que tamparam, e com elas fazer ilhas soltas pelo mar, que será todo o resto do papel não contornado.Vou inventar um jeito de virar miniatura e de povoá-lo, e vou lá viver no meu mundo, ver o que vai ser dele, como serão as pessoas, os costumes, os crimes, os deuses. Vai ser um mundo em que, a cada ventania, tudo muda de novo. De repente, Pólo Norte. De repente, filho de um guerreiro. A cada vento o tempo muda também, mas são sempre as mesmas pessoas. Elas teriam que ser flexíveis para viver da melhor maneira em todos os tempoespaços por onde passarem. "Tem vez que estou acordada e acho que estou sonhando ou sonhando eu acho que estou louca(...)."
Eu me curei da minha obsessão, me tratei na real. Aderi à homeopatia emocional: dos meus sentimentos secundários, eu abusei até enjoar. Que nem a piada que a gente, sem querer, estraga colocando uma sombra roxa e um batom vermelho. Enfim, tratei desses galhos. Daquele nosso cheiro, o destino fez que com que seu tubinho explodisse creme em toda a minha mala, e eu não aguentava mais aquele cheiro. As músicas foram sendo perdidas, suas melodias, se riscando. Não lembrava mais de vestir alguma das blusinhas que você tenha elogioado, talvez raras. Isso no período da overdose, em que a gente se droga de coisa pior que a droga pra esquecer da primeira. Agora passou. Eu nem gosto nem desgosto do cheiro. Tem dia que sim, tem dia que não. A música, as vezes sei cantar, em outras não. Tem dias que eu até visto alguma das blusinhas, mas não necessariamente pra você, meu bem. Isso não é ótimo? Chegamos onde sempre quisemos, se bem que isso não é tão gostoso; é uma pena e não é. Depende: é que nem sorvete na Lelu´s (eu pensei que era "Lelu´s", mas no Google está Lelos e eu acredito mais na minha infância); uma hora é flocos, outra hora é milho-verde.
-Hoje eu queria uma bola de cada com self-service de ursinhos, amendoizinhos, granulado e calda de chocolate que endurece e, junto com ele, endurecem as outras guloseimas, por favor!