sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Miguilim quer contar História

Capítulo Primeiro - a melhor

Um jantar, aquele do tipo que mistura familiares fazendo jus à correlação sanguínea a outros que aparecem duas vezes em nossa frente: quando nascemos e quando ganham uma máquina fotográfica. Assim que a desembrulham do pacote, querem, tão logo, ter retratos espalhados pelo apartamento e, nada mais óbvio, que querem aparecer fotografados como alguéns caseiros, da família, amados e amadores. Pois bem: amadores; mas isso não vem ao causo.
Causo é que estávamos todos na sala de jantar, como em uma ceia. Eu tinha um incrível copo de vinho em minha frente, esquecido por alguma tia, e minha mãe não reparava que eu bebericava-o sempre que ela se distraia. A mesa de jantar suportava oito pessoas, mas sempre fazíamos sentar dez mais cada nova criança parida por visita. Ao meu lado direito sentava-se meu avô, e ao lado dele, a minha avó, e mais ninguém na mesa conosco. Ele vestia-se com uma calça de veludo marrom, na qual mal se percebia que tinha café derramado; e uma jaqueta jeans azul. Minha avó, engraçado, naquele dia ela não estava com aquele vestido de natureza morta e cheiro de natureza morta - não - ela estava com um conjuntinho de linha azulado, mas seu sapato era o mesmo marrom que combinava com o veludo e o café do vovô:
-Zezinhô, pega lá um copo d'água pra mim, Zézo? Pediu a ele, enquanto, sem perceber que eu os observava, acariciou o joelho de seu esposo. Ela deu um sorrisinho, poxa, tão espontâneo e tão forçado ao mesmo tempo.
-Eu... Titubeei por um instante que eu me encarregaria de servir minha avó. Fingi que não proferira a palavra e segurei a taça de vinho como se estivesse a observá-la há eternidades e profundidades. Por isso! Ela está vestida assim por isso! Ela aproveitou o dia do aniversario do vô Zézo para reconquistá-lo: seu conjuntinho tinha um cítrico aroma de natureza viva que eu não reparara.
-Eu... não devo - dialoguei com o vinho remanescente - Ele deve ir; ela não esta com sede de água. Ela tem vinte anos, e um coração cítrico a ser regado. Receber água é a idosa maneira de ela ouvir "eu te amo", e não sou eu quem deve dizê-lo, agora, o joelho não era meu.



O do meio - cágado

Férias de junho, São Paulo finge ser um país temperado de galicismos: poncho, cachecol, cacharrel, e quaisquer palavras com som de "ch", que pulam do dicionário só no nosso suposto e deselegante inverno. Ninguém da turma, a não ser eu e o H. saímos do rocambole de edredon, plenas 17:00 para conversar. Eu, ele e um celular éramos suficientes pra armamos nosso fim do dia. Ligamos para duas, ou três, que aparecessem na casa dele para "conversarmos", que se fosse sem as aspas, seria também sem a graça.
21:00 duas delas chegaram: uma para cada um 21:25 elas estavam embriagadinhas, e nós dois só alegres; 21:45 elas estavam de alguma maneira que nós dois já não tínhamos condições de relatar.
Minha jaqueta, blusa dela. Minha calça, calça dela. Calcinhas, soutiens, perfumes, laços, fios de cabelo, perfumes, perfumes, perfumes!
8:00 do dia seguinte, só perfumes e vagas lembranças. Lembranças? Dormimos num colchão no chão, na casa de madeira. Ela do meu lado direito, quando eu de bruços. Me virei, devagar, quis vê-la, não sabia como lhe dar aquele beijo de bom dia, o que lhe falar - eu mal a conhecia, eu a entorpeci desse jeito! Eu a conheci? Me segurei para não virar ainda, não podia me sentir culpado; nós dois queríamos, é, nós dois. Mas será que foi real? Minha dor de cabeça agora, poxa, não sei direito. Dane-se, vou virar, preciso vê-la, seus olhos verdes devem estar mais verdes com esse sol nascente.
-Não! Nao é ela! Seá que...eu realmente dormi com essa tartaruga? E a tararuga me olhava, sentada na almofada, seus olhos presos no mesmo ponto em que os olhos dela me olharam na noite anterior. Mas a tartaruga, olhando bem, a tartaruga também tinha uns olhos esverdeados, mas ela nao me parecia...
E aquela estória que ela me contou? Que a mae dela cantava-lhe "Boi da cara preta" em todas as cores para que ela nao sofresse de preconceitisse - e meu único comentario foi que ela perderia a rima - e ela me sorriu. Nao me parece que o bendito cágado me daria aquele sorrisinho de outrora, nao mesmo. Quero que nao seja, nao mesmo.


Último Capítulo - último

-Mãe, esse é o ultimo capítulo do trem? A menininha apontava para a placa de alguma estação do metrô.





Adendo: eu, por mim, me agarrava, colocaria pregos entre meus dedos e estes últimos dias de 2008: não quero as novas regras gramaticais! Dentre minhas paixões, tenho a de preferir "Estória" a "História", mas isso já é estória antiga na gramática. No título daqui, no entanto, "História" é um nome próprio, e ele bem sabe disso.
A que eu mais gosto é a primeira; e eu gosto mais é quando ele me conta as estórias....ai, historinha.